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Novas tecnologias aumentam inclusão para pessoas com deficiência, mas avanço poderia ser mais rápido


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O avanço da tecnologia tem, historicamente, possibilitado mudanças significativas na sociedade. Para as pessoas com deficiência (PCD), as inovações são sinônimo de inclusão. Invenções desde as mais simples – como bengalas, que podem ser utilizadas por pessoas com deficiência visual ou motora – até as mais complexas, como exoesqueletos robóticos que prometem devolver movimentos a pacientes que sofreram traumas, têm como objetivo melhorar a qualidade de vida desses indivíduos.

P U B L I C I D A D E

A última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava 17,2 milhões de pessoas com deficiência no Brasil – entre deficiências física, visual, mental e auditiva –, número que representa quase 9% da população acima de dois anos. E muitas delas precisam da ajuda da tecnologia.

Para se ter ideia, em uma pesquisa divulgada pela consultoria Accenture em 2022 sobre o impacto do avanço tecnológico na inclusão das pessoas com deficiência, 60% dos participantes afirmaram que boa parte de suas vidas e trabalho – incluindo a facilidade das compras online, consultas médicas e outras experiências – estariam migrando para espaços digitais. E 10% disseram, ainda, estar tão ligados à tecnologia que a viam como uma extensão de si mesmos.

Alice Rosa Ramos, superintendente de práticas assistenciais da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), lembra que a instituição, que foi fundada em 1950 e faz cerca de 800 mil atendimentos por ano, acompanhou de perto as evoluções da tecnologia – desde a chegada de próteses, órteses, cadeiras de rodas e acessórios disponibilizados pelo mercado, que proporcionaram mais independência para seus pacientes, até às mais recentes inovações:

“Também utilizamos vários tipos de robótica na reabilitação, além de terapias virtuais, impressão 3D e scanner para moldes, que facilitam e trazem mais possibilidades para o nosso trabalho. Essas ferramentas nos auxiliam em treino de marcha e simulações de realidade virtual. Além disso, temos hoje tecnologias que tornam as tarefas do dia a dia mais acessíveis”.

Tecnologia na prática para pessoas com deficiência

Jean Faber, pesquisador e professor adjunto na Universidade Federal de São Paulo  (Unifesp), explica que existem dois tipos de implementação de tecnologias focados na promoção de qualidade de vida a PCDs. Uma é a tecnologia assistiva, que melhora a relação das pessoas com deficiência com o ambiente a sua volta, com produtos como óculos, muletas, próteses e órteses. Outra envolve os protocolos de reabilitação, que têm a função de devolver alguma habilidade motora, por exemplo, e que podem interferir na atividade neural dos pacientes.

Em 2022, Faber, junto a outros pesquisadores do Laboratório de Neuroengenharia e Neurocognição da Unifesp, em parceria com o Instituto Lucy Montoro (SJC), publicou um artigo científico na revista Human Neuroscience propondo um novo sistema e protocolo de reabilitação para pessoas com amputação transfemoral – que ocorre entre a articulação do quadril e do joelho –, baseado no controle de uma prótese virtual dentro de um ambiente de realidade virtual.

“Havia uma alta taxa de rejeição de uso de prótese de membros inferior e superior e queríamos entender o que estava acontecendo. Chegamos a respostas como o alto preço das próteses, o fator ergonômico, a associação do uso da prótese com a amputação, gerando dificuldade de aceitação, questões estéticas e também fatores neurocognitivos”, relata.

A missão era compreender a percepção do corpo com a prótese como uma unidade e proporcionar essa percepção de incorporação de forma clínica. Para isso, foram recrutados sete voluntários, todos com cirurgias de amputação recentes (de 6 a 8 meses) e ainda sem experiência com próteses.

Por meio de eletrodos registrando atividades corticais e sensores no coto – a parte remanescente de um membro após sua amputação cirúrgica –, registrando as atividades musculares, os voluntários entraram em um ambiente de realidade virtual em que se viam em primeira pessoa, sentados em um local agradável, parecido com uma clínica, utilizando uma prótese.

“Com os sinais da atividade muscular, conseguíamos controlar em tempo real a prótese virtual, que dava ao paciente uma sensação de apropriação. Construímos uma veste que se adaptava a diferentes corpos e que continha mini motores nas costas, em pontos específicos com a função de gerar padrões vibratórios em sincronia com a prótese, percebendo também o movimento a partir daí e gerando um reforço positivo e fisiológico, por ter o papel de substituição de sensores da pele que perderam com o membro amputado”, explica Faber.

Dentro de um sistema gamificado, os voluntários foram se acostumando com a prótese virtual e chegaram a resultados impressionantes: “Criamos desafios de controle da prótese que foram muito bem sucedidos e outra forma de avaliar a relação dos voluntários com a prótese foi por meio do experimento da ‘ilusão da mão de borracha’, em que a pessoa associa o objeto como sendo sua mão e sente angústia quando ele é ameaçado. Simulamos esse comportamento no ambiente virtual e medimos a reação por meio da sudorese dos voluntários. No início da pesquisa, as respostas já indicavam ansiedade e medo da ameaça à prótese. No final, houve um aumento dessa sensação, uma clara indicação de que houve, de fato, a apropriação da prótese virtual. E isso para todos os voluntários”.

A ??apropriação neurocognitiva de uma prótese é um ponto chave no processo de reabilitação, conta o pesquisador, e a adaptação de uso desse membro protético traz diversos benefícios para o paciente, como um melhor controle da prótese, aceitação psicológica, apropriação e melhora no tratamento de questões como a dor fantasma. O sistema foi patenteado e, agora, a próxima fase da pesquisa será implementar a prótese física no processo. “Estudos apontam que o que se aprende no mundo virtual se transfere para o físico, mas essa ainda é uma questão que precisamos entender”.

Acesso a tecnologias precisa ser ampliado

Estudos como esses significam avanços importantes para a inclusão de novas soluções para pessoas com deficiência. Mas, para Alice Ramos, da AACD, um dos grandes desafios do uso da tecnologia para benefício desses indivíduos ainda é a acessibilidade:

“A tecnologia, sem dúvidas, ajuda, mas em muitos casos, segue sendo cara. A boa notícia é que há várias startups e estudantes interessados nessa área, o que é muito positivo. Espera-se que tenhamos cada vez mais empresas voltadas para esses desenvolvimentos e uma das formas de despertarmos esse desejo de atuação no público mais jovem é tornando as pessoas com deficiência cada vez mais presentes na sociedade. A diversidade traz o convívio, educando novas gerações com a necessidade de inclusão cada vez maior”.

De acordo com Bruna Poletto Salton, coordenadora do Centro Tecnológico de Acessibilidade (CTA) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), é exatamente o avanço da tecnologia que faz surgir a possibilidade de cada vez mais acesso.

“As soluções que utilizamos por aqui já evoluíram muito, principalmente os recursos de software. Antigamente, existiam poucas opções e com valores altos. Hoje, os recursos gratuitos, muitas vezes, são tão bons quanto os pagos. Um exemplo dessa evolução são os leitores de tela, ferramentas utilizadas pelas pessoas cegas para uso do computador, tablet e celular. Anos atrás, o melhor leitor era pago, com um valor bem elevado. Hoje, os leitores gratuitos já são tão eficientes quanto os pagos e, inclusive, já são recursos de acessibilidade padrão nos celulares”, diz.

A atuação do centro é bastante abrangente, mas o seu principal objetivo é atender a demanda institucional relacionada à acessibilidade digital e à tecnologia assistiva. “O foco do trabalho do CTA é o atendimento aos nossos estudantes com necessidades educacionais específicas, desde o seu ingresso. Identificamos as demandas de cada caso e, não sendo capaz de oferecer a inclusão com as tecnologias das quais já dispusemos ou identificando que o custo seria muito alto, criamos, adaptamos ou confeccionamos os nossos próprios recursos”, afirma.

Hoje, são mais de 500 estudantes com alguma necessidade educacional, que incluem produtos de apoio para a visão, audição, comunicação, escrita, desenho, cálculo, uso do computador, materiais didático-pedagógicos acessíveis, dentre outros.

“Utilizamos mouses e teclados alternativos ou adaptados, digitação por voz, ferramentas que transformam texto em áudio e aplicativos para comunicação. Já confeccionamos também recursos para facilitar a leitura e a escrita, como plano inclinado, engrossadores de lápis, extensores, réguas de leitura e caderno com pauta ampliada. A confecção de baixo custo nos permite customizar as soluções considerando as especificidades e necessidades de cada um”, diz.

No mercado de trabalho, a promoção de tecnologia assistiva também poderia causar grandes impactos. Um estudo da consultoria McKinsey, realizado em 2022, mostra a importância da inclusão nesses ambientes: a força de trabalho dos americanos com deficiência que desejam trabalhar poderia adicionar quase US$ 215 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos até 2040 – e aumentar o PIB global em um total de US$ 400 bilhões. Para isso, porém, seria preciso tornar os prédios totalmente acessíveis, criar culturas inclusivas e oferecer aos trabalhadores com deficiência mais flexibilidade.

Startups e empresas têm soluções para PCD como foco

É possível encontrar empresas brasileiras focadas exclusivamente em oferecer as mais diversas soluções para PCD. Algumas delas foram criadas para atender necessidades identificadas no dia a dia, como é o caso da Ploy. Fundada pela arquiteta urbanista Rebeca Paciornik Kuperstein, há seis anos, a startup produz acessórios para cadeiras de rodas com o objetivo de oferecer mais segurança, bem-estar e conforto para cadeirantes.

A ideia surgiu por conta de uma ação social, que consiste em corridas de rua, em que crianças em cadeiras de rodas são conduzidas por corredores amadores voluntários, para sentirem o vento na cara, o sorriso no rosto e a sensação de liberdade – experiência que virou o mote da empresa.

“O IBGE nos informa que menos de 5% das calçadas são acessíveis para pessoas com deficiência. Nosso produto é portátil, fácil de colocar, fácil de guardar e torna a cadeira segura e leve para se mover no meio urbano. Com isso, evitamos isolamento involuntário e permitimos mais liberdade na locomoção e na prática de atividades físicas para uma vida com mais qualidade e mais possibilidades”, ressalta Rebeca.

A TiX Tecnologia Assistiva também nasceu, em 2009, com o objetivo de oferecer uma solução específica – uma tecnologia capaz de ajudar pessoas com deficiência visual a utilizar transporte público –, mas dificuldades no caminho mudaram as rotas do negócio. “O produto não foi para frente porque dependia do poder público municipal para que desse certo. Então mudamos o foco”, explica Adriano Assis, fundador da empresa.

Hoje, a TiX disponibiliza soluções como mouse de cabeça sem fio, teclado acessível inteligente, comunicador que funciona por meio do piscar de olhos e aplicativo para comunicação inclusiva – todos pensados para deficiências motora e de aprendizagem. “Nosso objetivo é oferecer autonomia e privacidade. Muitas pessoas com deficiência motora grave, por exemplo, precisam de ajuda para mexer no próprio celular ou computador. Nossas soluções promovem a liberdade de fazerem isso sozinhas. Estamos sempre buscando atender a necessidades mal atendidas”.

Tecnologias importadas de outros setores

Ao fazer uma comparação com outros setores que utilizam a tecnologia em seus negócios, para Bruna Salton, do CTA, a implementação de inovações na área de soluções para PCDs não tem sido contemplada como deveria, mas tem evoluído, principalmente pelo aumento da demanda:

“Com as pessoas com deficiência participando mais das esferas sociais e pelo aumento da expectativa de vida e consequentemente termos cada vez mais idosos, que vão demandando também soluções de mobilidade e cognitivas, as atenções vão se voltando mais para esse tema. Mas é preciso ouvir as pessoas com deficiência, entender suas necessidades e, mais do que isso, é necessário que elas se envolvam e participem dos processos de criação e implementação da tecnologia que é voltada para elas”.

O pesquisador Jean Faber, da Unifesp, ressalta, inclusive, que um dos principais critérios para pensar inovações para pessoas com deficiência é contar com uma equipe multidisciplinar que pense de forma integrada para criar uma solução. Afinal, “apenas a parte técnica ou a parte clínica não funcionariam sozinhas, precisam estar alinhadas para oferecer a melhor experiência e não apenas uma tecnologia bonita, mas não funcional”.

Ele reforça também que não necessariamente a resposta está na criação de ferramentas ou sistemas do zero, que são sinônimo de alto custo e tempo de pesquisa, produção e produção de novos produtos ou protocolos: “O avanço de outras áreas permite que importemos tecnologias e as incorporemos tanto na parte assistiva quanto na habilitação, mesmo que não tenham sido pensadas para isso. Hoje, por exemplo, existem impressoras que reproduzem órgãos com células humanas. A tendência é, inclusive, que as novas órteses e próteses se tornem mais orgânicas, confortáveis e funcionais. E, para isso, podemos utilizar essas impressoras, criando objetos cada vez mais parecidos e integrados com o corpo que precisa do auxílio dele”.

Adriano Assis, da TiX, lembra também de equipamentos que muitas pessoas já têm em casa, como assistentes virtuais, que controlam aplicações nas casas, como o acender de luzes, colocar uma música para tocar ou mudar um canal na televisão. “Não foi exatamente criado tendo a acessibilidade como fim, mas pode fazer a diferença na vida das pessoas com deficiência, trazendo autonomia e liberdade. As grandes empresas também precisam ter – e sinto que têm tido cada vez mais – um olhar inclusivo para a concepção de seus mais diversos produtos”.

 

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