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Terapia gênica é o próximo passo para o tratamento contra a anemia falciforme


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Apesar de ser considerada uma doença rara, no Brasil a anemia falciforme tem uma prevalência bastante importante: de acordo com o Ministério da Saúde (MS), a estimativa é de que haja 60.000 casos no país. Tanto o diagnóstico quanto os cuidados ainda são desafios quando se trata dessa condição e a mais nova esperança para pacientes e sistema de saúde como um todo é a terapia gênica, que surge como uma possibilidade de tratamento mais assertivo e seguro.

P U B L I C I D A D E

Ricardo Weinlich, que é biólogo e pesquisador científico do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que, hoje, o único tratamento curativo existente é o transplante de medula óssea, e que mesmo esse procedimento esbarra em desafios que dificultam o acesso dos pacientes:

“Algumas questões precisam ser consideradas: por enquanto, o transplante que é mais seguro e eficaz necessita de doadores que denominamos HLA-idêntico e aparentado, ou seja, basicamente irmãos que sejam compatíveis. Além disso, essa condição é mais incidente na população afrodescendente que, por conta de questões de iniquidade social, é subrepresentada em bancos de sangue”.

É neste ponto que o uso da terapia gênica é tão atrativo. Com ela, é possível alterar o DNA da célula para mudar, adicionar ou restabelecer uma função – e assim oferecer um transplante de medula autólogo, ou seja, utilizando as células-tronco do próprio paciente.

 

Possibilidades de terapia gênica para anemia falciforme

A anemia falciforme é ocasionada por uma mutação genética que provoca a deformação dos glóbulos vermelhos, que deveriam ter o formato bicôncavo, como uma bolinha, mas que assumem uma forma parecida com a de uma foice – daí a origem do nome da condição.

De acordo com Weinlich, há, atualmente, no mundo, três grupos de possibilidades de utilização da terapia gênica para tratamento da doença: acrescentar um gene da beta globina na célula, semelhante ao de uma pessoa saudável, oferecendo uma espécie de “receita pronta” externa para sua correta funcionalidade; mudar o genoma para que expresse hemoglobina fetal, presente em pessoas com anemia falciforme sem sintomatologia ou com versões brandas da condição; e a possibilidade de corrigir a mutação causadora da doença.

As duas primeiras estão sendo estudadas – algumas, inclusive, em fases clínicas avançadas – em países estrangeiros. E a pesquisa referente à terceira, e mais complexa, possibilidade faz parte do projeto do Einstein em parceria com o Ministério da Saúde, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

“A ideia é pegarmos as células-tronco, fazer a alteração do seu DNA em laboratório e as devolver para os pacientes através de um processo já estabelecido de transplante de medula óssea”, conta. “Escolhemos a estratégia mais complexa para trabalhar porque a enxergamos como a mais completa já que, de fato, corrige a causa raiz da doença. Se é para fazer, vamos pela potencialmente melhor opção”.

O projeto foi apresentado ao Ministério da Saúde considerando premissas como efeitos importantes econômicos no sistema de saúde – de acordo com o biólogo e pesquisador, estudos nos Estados Unidos sugerem que um paciente com anemia falciforme que vive até os 45 anos de idade representa um gasto entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão ao setor, considerando medicamentos, visitas médicas e internações, além dos custos referentes ao afastamento do trabalho, a alta morbidade e letalidade dos pacientes, o fato de a doença afetar principalmente a população que depende dos serviços do SUS e a facilidade de acesso à célula de interesse para o tratamento.

Aprovado em 2018, o programa teve início em 2019 e finaliza o segundo ciclo – contado a cada triênio –, no final de 2023, com possibilidade de renovação. “Estamos na fase de desenvolvimento da terapia. Já praticamente saímos da fase experimental, em laboratório. Agora vamos trabalhar para realizar o protocolo em larga escala e em ambientes compatíveis com uso humano, para transformá-lo em produto. O passo seguinte será submeter à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar os ensaios em fase clínica. A caminhada ainda é longa, principalmente considerando que o tempo médio de desenvolvimento de um produto é de sete a dez anos, mas estamos avançando bem”, afirma Weinlich.

Ele ressalta que os estudos no exterior já estão apresentando resultados promissores, o que deixa o grupo de pesquisa do Einstein animado com a possibilidade cada vez mais comprovada de que, de fato, existe um caminho de sucesso a ser trilhado, principalmente considerando que a terapia gênica é uma ciência ainda muito nova.

“A expertise em terapia gênica ainda é limitada, não só no Brasil, mas globalmente. As ferramentas que utilizamos hoje começaram a ser desenvolvidas pouco mais de uma década atrás, em 2012. A tecnologia está em sua fase inicial, tudo é novo, ainda precisa ser desbravado e, inclusive, faltam profissionais capacitados para trabalhar na área – o Einstein até criou uma pós-graduação em terapia gênica justamente para capacitar pessoas interessadas. Por outro lado, por ser um campo recente, temos um enorme espaço para melhorias e para sermos criativos nas estratégias terapêuticas”.

Fazem parte do projeto de terapia gênica pesquisadores médicos e não médicos, especialistas, analistas laboratoriais e técnicos de diversos níveis – a equipe é composta por 12 a 14 pessoas, a depender da fase vigente –, além de contar com a colaboração de outras áreas internas, como o banco de sangue, a área de terapia celular, e externas, como o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

 

O futuro do tratamento da anemia falciforme

Se tudo caminhar como o esperado e a pesquisa gerar um produto, a ideia é desenvolver um protocolo brasileiro que conte com centros regionais de manufatura e centros de referência, que serão responsáveis por recrutar pacientes e fazer o acompanhamento de ponta a ponta, desde o primeiro atendimento, passando pelo transplante e recuperação.

“Pensar que todo hospital no Brasil terá as chamadas ‘salas limpas’ e equipes especializadas, além de caro, é contraproducente. O objetivo é fazer o tratamento chegar a mais pessoas por meio da regionalização e também pela automatização de processos, que, contidos em si mesmos, diminuem a necessidade de controle de operação manual, reduzindo custos e ganhando escala”.

Outra meta, em um futuro ainda mais distante, é encontrar novas maneiras, além do transplante autólogo, para o tratamento da doença. “Quem sabe conseguimos entregar soluções in vivo, com metodologias endovenosas, por exemplo, com uma ferramenta capaz de atingir as células-tronco e corrigi-las in loco. Outras terapias gênicas já estão sendo aplicadas dessa forma, como para a Amaurose Congênita de Leber e para a Atrofia Muscular Espinhal (AME)”, aponta.

 

 

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