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Cuiabá-MT: Pai diz que colocou garota “contra a parede” e ela negou intenção


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A tragédia que ocorreu no condomínio Alphaville, em Cuiabá, e resultou na morte de Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, foi capa da revista Época, de circulação nacional, nesta semana.

P U B L I C I D A D E

A reportagem traz, entre outras informações, uma entrevista com o empresário Marcelo Cestari, pai da adolescente que segurava a arma que matou Isabele.

À revista, Cestari disse que não acredita que a filha tivesse intenção de matar a melhor amiga.

“De todos os meus filhos, ela é a mais próxima. Não existe segredo entre nós. Eu já a pus contra a parede e perguntei olhando em seus olhos se ela havia atirado na amiga. Ela respondeu ‘não’ e eu acredito. Vou com essa verdade até o fim”, afirmou.

A reportagem ainda conta detalhes do que ocorreu no dia em que a adolescente foi morta. Desde quando ela acordou, no início da tarde, até o momento em que perdeu a vida, à noite.

“No domingo 12 de julho, a estudante Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, acordou às 13 horas. Em vez de almoçar, preferiu tomar café da manhã, o que suscitou uma pequena discussão com a mãe, a empresária Patrícia Guimarães Ramos, de 44 anos”, descreve a matéria.

O texto – que usa apenas nomes fictícios – ainda enfatiza as habilidades da amiga da vítima em manusear uma arma. A jovem era praticante de tiro esportivo e já havia vencido campeonatos locais.

Relata também a chegada do namorado da garota à residência portando uma das armas que tiraria a vida de Isabele.

“A arma passou de mão em mão para que todos a experimentassem. Cada membro da família praticou o que os colecionadores chamam de tiro a seco, ou seja, empunharam a arma na sala, miraram a esmo e acionaram o gatilho”, diz trecho.

Em depoimento, o jovem disse que a namorada não viu que ele a guardou na maleta carregada.

“Abriu-se outra hipótese de investigação, que até agora foi negada pela adolescente e por seus familiares: a de que Júlia*, sem saber que a arma estava carregada, teria atirado ‘a seco’ na amiga, numa prática frequente entre atiradores – e entre a própria jovem e seus familiares”, sugere a reportagem.

A mando do pai, a adolescente foi guardar a maleta no closet da suíte principal, após o namorado ir embora, mas desviou do caminho indo ao encontro da amiga, que fumava um cigarro eletrônico no banheiro.

Capa da revista Época desta semana

Isabele foi atingida com tiro disparado pela arma que a amiga segurava, dentro do banheiro da casa. A bala acertou seu nariz e o tiro foi feito de frente, com a vítima olhando para a pistola, conforme cita a matéria.

Marcelo disse estar arrependido de ter entregue a arma para a filha e que foi negligente ao pedir para ela guardar.

“Eu fui negligente ao deixar minha filha levar a arma para o armário do meu quarto”, disse.

O inquérito do caso conta com 812 páginas, 30 pessoas ouvidas pela Polícia Civil e passou por três delegados. Hoje, o delegado Wagner Bassi é o responsável pelas investigações.

Confira a íntegra da reportagem assinada pelo jornalista Ulisses Campbel :

Duas adolescentes de 14 anos, uma arma de fogo carregada dentro de um condomínio de luxo e um corpo caído no banheiro com um tiro certeiro no rosto. O enredo do crime que chocou a população de Cuiabá ainda é um enigma para a Polícia Civil de Mato Grosso, e novas evidências têm embaralhado as linhas de investigação de um homicídio que é tratado como acidental.

No domingo 12 de julho, a estudante Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, acordou às 13 horas. Em vez de almoçar, preferiu tomar café da manhã, o que suscitou uma pequena discussão com a mãe, a empresária Patrícia Hellen Guimarães Ramos, de 44 anos. Na sequência, a adolescente recebeu uma mensagem da melhor amiga, Júlia*, de 14 anos. Ambas eram vizinhas no residencial Alphaville I, em Cuiabá, o mesmo endereço do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes Ferreira (DEM). Na mensagem, Júlia chamava a amiga para ir até sua casa fazer uma torta de limão para servir à família como sobremesa no jantar. O doce era a especialidade de Isabele.

Por volta das 16 horas, a casa estava cheia. Além das duas amigas, estavam presentes os pais e os três irmãos de Júlia. Ela é trigêmea de um rapaz e uma menina e ainda tem uma irmã mais velha, de 17 anos. Por volta das 16 horas, chegaram João*, de 16 anos, namorado de Júlia, e mais um amigo da família. Encontros entre adolescentes no local, uma confortável residência com quatro suítes e piscina, eram comuns e estimulados pelos pais.

Quando não estava reunida em casa aos fins de semana, a família passava o tempo no clube de tiro Força e Honra, não muito distante dali. Assim que o presidente Jair Bolsonaro assinou os decretos que facilitavam a compra de armas por colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (os chamados CACs), rebaixando a idade mínima para uso de armas de 18 para 14 anos, o pai de Júlia, um empresário local, importou uma pistola para cada um dos filhos, para a esposa e mais duas para ele próprio.

A família treinava tiros toda semana e postava vídeos nas redes sociais mostrando suas habilidades bélicas. Com pouco tempo de treino, Júlia chegou a participar de campeonatos locais, ficando em primeiro lugar. Rápida no gatilho e boa de mira, era a melhor atiradora entre os irmãos. Foi num desses treinos que ela conheceu o namorado, João, campeão nacional de tiro na categoria Júnior. Habilidoso com armas, o jovem de 16 anos treinava desde os 13, munido de uma autorização judicial que lhe permitia atirar mesmo antes do decreto de Bolsonaro. João estava escalado para representar o Brasil no mundial organizado pela Confederação Internacional de Tiro Prático, que ocorrerá em novembro na Tailândia, mas sua licença foi cassada após a morte de Isabele. Na preparação para competições, treinava duas vezes por semana e em cada exercício disparava pelo menos 300 tiros em alvos fixos e móveis, somando até 2.400 disparos no mês.

Quando chegou à casa da namorada naquele domingo fatídico, João rapidamente se tornou a atração. Ele levara consigo a pistola de fabricação italiana Tanfoglio, calibre 38, de cor preta, com a qual vencera suas últimas competições. A munição dessa arma havia ficado em sua casa. Pouco antes de ser servido o jantar, a arma passou de mão em mão para que todos a experimentassem. Cada membro da família praticou o que os colecionadores chamam de tiro a seco, ou seja, empunharam a arma na sala, miraram a esmo e acionaram o gatilho sem que ela disparasse, já que não estava municiada. Segundo o depoimento do atirador, ao abrir a maleta de plástico (chamada de case) onde guardava a pistola, ele se surpreendeu ao ver que estava ali também uma Imbel prata, calibre 38, carregada com 18 balas, que pertencia a seu pai, médico veterinário e também atirador. Ele tirou as munições dessa arma e também a mostrou aos presentes. Pela lei, João não poderia ter portado as duas armas, já que CACs só têm permissão para o transporte entre o local de armazenamento e o clube de tiro. Por ser menor de idade, também não pode ter armas em seu nome e, mesmo se estivesse a caminho do clube, precisaria estar acompanhado do responsável que tivesse a posse legal dos objetos.

João enviou uma mensagem ao pai relatando que sua arma também estava com ele. O pai pediu que, quando ele voltasse para casa, deixasse o case na residência de Júlia para não correr o risco de ser surpreendido por uma blitz transportando as pistolas ilegalmente. João contou em depoimento que, depois de receber a ligação do pai, pôs as duas pistolas na maleta e, para não arranharem, colocou uma luva de lã entre elas. Depositou de volta a munição na arma do pai e acionou um mecanismo conhecido como “cão”, para travá-la. Em seguida, às 21h59, as câmeras de segurança registraram sua saída da casa de Júlia, quando foi apanhado pelo irmão, Frederico, de 19 anos. Antes de sair, ironizou a situação afirmando que deixaria as armas porque o irmão tinha “ímã para blitz”.

Pouco antes de João sair, Isabele havia discretamente subido para fumar seu cigarro eletrônico no banheiro do quarto da amiga. Ela não fazia isso na presença de adultos. Minutos depois de João ir embora, o pai de Júlia pediu à filha que levasse a maleta com as armas para o closet da suíte principal da casa. A menina pegou a maleta preta e subiu os dois lances da escada, de 20 degraus cada. Ao chegar ao segundo piso da casa, Júlia deveria virar-se à esquerda rumo ao armário indicado pelo pai, onde as armas da família ficam guardadas. No entanto, ela foi à direita e entrou em seu quarto procurando por Isabele.

De todos os meus filhos, ela é a mais próxima. Não existe segredo entre nós. Eu já a pus contra a parede e perguntei olhando em seus olhos se ela havia atirado na amiga. Ela respondeu ‘não’ e eu acredito. Vou com essa verdade até o fim

A adolescente bateu à porta do banheiro com a maleta na mão. Ao abri-la, Isabele levou um tiro no rosto a uma altura de 1,44 metro do solo e a uma distância de 30 centímetros, segundo aponta o laudo pericial. A garota caiu no chão do banheiro com o corpo no piso próximo a um armário e com a cabeça na parte interna do box para banho. Perto de seus pés ficaram caídos sua bolsa preta e o cigarro eletrônico. A bala entrou em linha reta pela narina esquerda, atravessou o osso maxilar e seguiu pelo interior do crânio da garota, rompendo as estruturas do tronco encefálico e saindo pela nuca.

Cinquenta dias após o crime, o que ocorreu no banheiro naquela noite ainda não foi elucidado pelos investigadores. A adolescente sustentou, em depoimento, que foi ao encontro da amiga com a maleta na mão para saber o que ela estava fazendo lá. Ao bater na porta do banheiro onde estava Isabele, Júlia teria se desequilibrado e deixado o case cair.

Ao recolher as armas no chão e se levantar, a Imbel do pai de João teria disparado acidentalmente. Júlia não soube dizer, no depoimento, se apertara ou não o gatilho. Ocorre que o laudo da perícia e um segundo depoimento de João, em 21 de agosto, trouxeram novas evidências à cena do crime. Uma nova informação também passou a ser levada em conta depois do depoimento do irmão de Júlia, em que ele atestava que a arma foi manuseada e transportada no intervalo entre o homicídio e a chegada da ambulância, o que pode ter resultado em adulteração de provas e, por consequência, impactado o relatório da perícia.

No laudo de balística assinado pelos peritos Reinaldo Hiroshi dos Santos e Pierre Biancardini Júnior, há uma pergunta feita pelo delegado que investiga o caso: “A arma de fogo questionada pode produzir tiro acidental?”. Os peritos responderam “não”. E argumentaram: “Nas circunstâncias alegadas pelo depoimento prestado, a arma somente se mostrou capaz de realizar o disparo e produzir tiro estando carregada (cartucho de munição inserido na câmara de carregamento do cano), engatilhada e destravada mediante o acionamento do gatilho”.

Um segundo laudo atesta que Isabele estava com os olhos abertos antes de morrer, em razão do movimento de suas retinas e dos estilhaços de pólvora em seu rosto. As duas constatações colocam contradições na cena apresentada por Júlia. O laudo de balística contesta a tese de que a arma teria sido disparada acidentalmente. E os olhos abertos também indicariam que a vítima teria olhado para a arma antes de ser atingida. Esse dado corrobora o laudo pericial, que sustenta que, pela altura do disparo, a arma foi apontada para o rosto da vítima. Por fim, o depoimento do irmão de Júlia confirma que houve adulteração da cena do crime. Ele foi o primeiro a subir até o banheiro, onde viu o corpo de Isabele caído ainda sem ver ter sangue. “Eu vi o case com as armas na bancada da cama do quarto das minhas irmãs (…) Aí eu gritei que era para ela guardar o case no armário do papai e ela guardou”, disse o garoto de 14 anos, em depoimento. Ele admitiu também ter guardado a cápsula do tiro que acertou Isabele, antes de entregá-la ao pai.

Tiro a seco

No segundo depoimento de João, uma nova informação também chamou a atenção dos investigadores. Ele disse que a namorada não havia visto que ele recarregara a arma de seu pai e a travara, antes de colocá-la de volta no case. Segundo João, apesar de Júlia estar no mesmo ambiente que ele, ela estava a sua frente, de costas, sem olhar o que ele fazia, além de aparentar estar distraída.

Diante dessa constatação, na última vez em que Júlia tivera a arma em seu campo de visão, ela estava descarregada.

Depois de João recarregá-la, para que a pistola disparasse, seria preciso movimentar um ferrolho, abrindo espaço para a munição seguir até a câmara. Só depois dessa ação, a arma estaria apta a disparar. Em vídeos capturados pela polícia do celular de Júlia, é possível atestar que a adolescente sabia destravar armas com destreza. Esse conjunto de informações abriu uma outra hipótese de investigação, que até agora foi negada pela adolescente e por seus familiares: a de que Júlia, sem saber que a arma estava carregada, atirou “a seco” na amiga, numa prática frequente entre atiradores — e reproduzida pela própria jovem e seus familiares mais cedo, antes do jantar.

ÉPOCA esteve na casa onde a menina foi morta e observou a cena do crime. A pessoas próximas, o pai de Júlia diz que a filha não executou a amiga, que provará que o disparo foi acidental e assume sua parcela de culpa na tragédia: “Eu fui negligente ao deixar minha filha levar a arma para o armário do meu quarto”, tem dito o empresário.

Sem desavenças

Uma perícia feita nos celulares e nas redes sociais das adolescentes não encontrou sinal de que as duas amigas haviam se desentendido. Pelo contrário, só havia trocas de palavras carinhosas entre as duas. Na última visita que fez à casa de Júlia, Isabele escreveu com um pincel atômico na parede do quarto que a amava. As duas também disputavam quem crescia mais rapidamente, pois marcavam na parede suas medidas.

A mãe de Isabele, Patrícia, não consegue conceber a tragédia e culpa os vizinhos por tirarem a vida de sua filha. “Minha filha foi assassinada e quero saber por que isso aconteceu”, acusou. A polícia espera o laudo da reconstituição do crime, ocorrida na semana passada, para dar um desfecho ao inquérito. “Esperamos que ela seja indiciada por homicídio doloso”, disse o advogado da família de Isabele, Hélio Nishiyama, referindo-se ao homicídio em que há intenção de matar.

Essa é a segunda tragédia que se abate sobre a família de Patrícia em dois anos. No dia 23 de junho de 2018, seu marido, o médico Jony Soares Ramos, de 49 anos, saiu de casa numa moto BMW 1.200 para praticar aeromodelismo, mas se envolveu em um acidente na estrada que liga Cuiabá à Chapada dos Guimarães. O médico morreu na hora.

Evangélica, Patrícia acredita estar passando por provações divinas. “Acho que Deus está me passando mensagens com essas tragédias. Mas não estou resistindo a tanto sofrimento”, disse a empresária. A família de Patrícia hoje se resume a ela e o filho de 12 anos. O garoto criou vários perfis em redes sociais pedindo para a morte da irmã não passar em branco, reproduzindo a hashtag #justiçaporbele.

Reprodução

A empresária Patrícia Ramos, mãe da jovem que morreu

Até a semana passada, o inquérito que apura a morte de Isabele já tinha 812 páginas, havia ouvido 30 pessoas e passado pelas mãos de três delegados. O que lidera hoje as investigações, Wagner Bassi, não quis dar entrevistas. A expectativa da família de Júlia é que a adolescente responda por homicídio culposo, quando não há intenção de matar e cuja pena é o cumprimento de medidas socioeducativas por três anos, até ela completar a maioridade.

Júlia se recusou a participar da reconstituição por, segundo ela, estar abalada emocionalmente. Pouco antes de ser convocada para reproduzir o crime, a adolescente voltou a participar das aulas on-line de seu colégio, mas teve de sair da sala virtual depois de ouvir acusações de que era assassina. Como também começou a ser hostilizada por vizinhos, a família se mudou provisoriamente para a casa de um parente, deixando para trás a bela casa com um Lamborghini na garagem.

Em conversa com ÉPOCA, o pai de Júlia foi questionado pela reportagem se ele achava que a filha poderia ter apertado o gatilho achando se tratar de uma arma descarregada. Sua resposta: “De todos os meus filhos, ela é a mais próxima. Não existe segredo entre nós. Eu já a pus contra a parede e perguntei olhando em seus olhos se ela havia atirado na amiga. Ela respondeu ‘não’ e eu acredito. Vou com essa verdade até o fim”.

*Nomes fictícios para preservar as identidades

FONTE: MIDIANEWS

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