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Agronegócios

De onde vem o que eu como: Brasil já faz hambúrguer, linguiça e até bolinho de ‘siri’ com plantas e grãos


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Com plantas e grãos, o Brasil e o mundo têm produzido carnes vegetais que procuram se assemelhar à animal em sabor, cor e textura. A lista está ficando cada vez mais variada: dos conhecidos hambúrgueres a almôndegas, carnes moídas, linguiça, nuggets e até bolinho de “siri” estão disponíveis em alguns mercados do país.

P U B L I C I D A D E

Especialistas consultados pelo G1 dizem que um dos grandes desafios, neste momento, é tentar entregar ao consumidor brasileiro pedaços inteiros de carne vegetal, como se fossem um bife, uma picanha, um filé de peixe.

Outra tarefa é tornar esses produtos mais baratos: uma caixa de hambúrguer comum, com 672 gramas, por exemplo, sai por R$ 27 em uma grande rede de supermercados. A embalagem de 230g do produto feito com plantas custa R$ 19.

Uma das apostas para reduzir o preço é utilizar mais ingredientes nacionais na produção. O Brasil importa, por exemplo, 100% da lentilha e a maior parte do grão-de-bico e da ervilha, segundo o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).

Junto com o feijão, esses alimentos são, geralmente, a base proteica da carne vegetal e fazem parte de um grupo chamado “pulses” (sopa grossa), que são as leguminosas altamente ricas em proteínas e fibras.

Outra base da carne vegetal é a soja que, apesar de ser o maior produto de exportação do Brasil, ainda é processada em outros países. É um mercado, portanto, que pode ser melhor aproveitado pelo agronegócio do Brasil.

Quem quer comer carne vegetal?

 

A resposta para essa pergunta parece óbvia, mas não são os veganos e nem os vegetarianos que estão impulsionando esse mercado, mas, sim, as pessoas que optaram por reduzir o consumo de carne animal, os chamados flexitarianos.

O estudante de educação física, Lucas William, de 21 anos, é um deles. Ele começou a consumir carne vegetal para “cuidar melhor da saúde, sem perder o costume de comer carne”, explica.

Para William, o sabor de algumas proteínas deste tipo se assemelha ao de origem animal, mas existem aquelas que são até mais gostosas.

O estudante conta que o gosto depende muito da marca e até mesmo do vegetal usado na produção. A soja, por exemplo, agrada mais o paladar dele.

A ONG The Good Food Institute, que promove alternativas vegetais para carne, ouviu 2 mil pessoas em todo o Brasil, em maio de 2020, e concluiu que:

  • Metade dos entrevistados disse ter diminuído o consumode carne animal durante o dia ou na semana, nos 12 meses anteriores. Na pesquisa anterior, de 2018, esse percentual era de 29%;
  • Somente1% disse que parou totalmente de comer carne animal;
  • maioria dos flexitarianos é mulher (58%) e jovem, entre 18 a 34 anos (47%);
  • 37% dos que reduziram dizem estar substituindo a proteína animal por carnes à base de plantas.

 

Para a gerente de engajamento corporativo do GFI, Raquel Casselli, os motivos da diminuição da ingestão de carne animal no período da pesquisa são: preocupação com a saúde, alto custo e perda do poder aquisitivo.

O que é a carne vegetal?

 

A gerente do GFI explica que a carne vegetal é bem diferente dos substitutos de proteína animal que estão há bastante tempo no mercado, como a Proteína Texturizada de Soja (PTS). “Aqui estamos falando de carne vegetal análoga à carne animal”, diz Raquel.

No Brasil, este mercado é novo e existe desde abril de 2019, com o lançamento de produtos da startup brasileira Fazenda Futuro. Depois dela, frigoríficos grandes, como JBS, BRF e Marfrig, entraram no mercado com linhas plant-based.

Mas não basta apenas imitar carne. Segundo Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro, o mercado plant-based está em uma fase de produzir alimentos mais nutritivos e que contribuam para a saúde das pessoas, como produtos com menor teor de sódio.

 

“[Nosso hambúrguer, por exemplo] tem apenas apenas 178 miligramas de sódio, quando você vai ver um hambúrguer de supermercado, ele tem 700 miligramas, 580 miligramas de sódio”, diz ele.

Raquel, do GFI, acrescenta que o mercado de carne vegetal tem um potencial de crescimento muito grande, porque a proposta é entregar para o consumidor a comida que ele já gosta.

“Eu não estou pedindo para ele mudar o hábito alimentar e trocar a carne por um PTS de soja, por um hambúrguer de grão de bico, que não entregam o sensorial que o flexitariano gosta”, diz ela.

Segundo ela, até então, os produtos vegetais substitutos à proteína animal ficavam restritos ao público vegetariano e vegano, que representa 14% da população brasileira (30 milhões de pessoas), segundo uma pesquisa do Ibope.

Raquel afirma que não há dados consolidados do mercado de carne vegetal análoga à animal no Brasil. Os números disponíveis consideram todos os produtos substitutos de proteínas animais (veja no infográfico acima).

Mas há algumas indicações:

“O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, divulgou no ano passado que um terço das vendas deles de hambúrgueres congelados foi de vegetais. É um número impressionante para um mercado tão novo”, diz.

 

No mundo, a previsão é de que, até 2035, o mercado de carne vegetal ocupe de 7% a 23% do total do mercado de carnes (de US$ 100 e US$ 370 bilhões).

O que já tem e o que falta no mercado?

A indústria nacional já consegue formular alimentos à base de produtos triturados, como os hambúrgueres, nuggets, kibes, linguiça, etc. O principal desafio agora é produzir o que a indústria chama de “músculo íntegro”.

“Cortes inteiros são uma outra questão. Como produzir um pedaço de picanha de origem vegetal? Um camarão? Uma posta de peixe?”, questiona Janice Ribeiro Lima, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos do Rio de Janeiro.

 

Já existem técnicas para se obter esses produtos, mas o custo ainda é alto. “Então, o grande desafio é produzir esses cortes inteiros de análogos com qualidade sensorial que agrade o consumidor e com preço acessível”, conta.

Siri vegetal com fibra de caju

 

Enquanto a indústria e os pesquisadores se preparam para produzir pedaços maiores, o consumidor já pode ir desfrutando da variedade de produtos existentes.

A Amazonika Mundi produz, em parceria com a Embrapa, um bolinho de “siri” feito com produtos 100% nacionais que leva o nome comercial de Siriju.

O bolinho é preparado como se fosse uma moqueca de siri: vai azeite de dendê, de coco, farinha de mandioca, de sacha inchi (planta nativa da Amazônia), urucum, entre outros ingredientes, explica o presidente-executivo da empresa, Thiago Rosolem.

Mas o que dá a textura parecida com a da carne é a fibra de caju, que também é utilizada pela empresa para produzir hambúrguer.

Essa fibra é obtida pelo bagaço do caju que representa de 10% a 15% dos produtos descartados pela indústria de suco.

“A fibra de caju tratada, que tem características neutras de sabor e odor, foi usada como um dos ingredientes que compõem a formulação do hambúrguer, contribuindo em especial para a textura e para a melhoria do valor nutricional dos produtos, dando um aporte em fibra alimentar”, diz Lima.

O que dá sabor, cor, textura e nutrição?

 

A pesquisadora da Embrapa e a Fazenda Futuro listam outras técnicas que podem ser usadas para fazer uma carne vegetal semelhantes à animal:

  • Base proteica: soja, ervilhas, feijões, lentilhas e grão de bico;
  • Gorduras: óleos de coco, girassol, canola, milho, soja, palma, entre outros;
  • Cor e sabor: extrato de romã, beterraba, urucum, leveduras, malte, condimentos preparados, entre outros;
  • Textura: além da fibra de caju, Leta explica que são usadas técnicas de extrusão para se chegar nas fibras e pedaços de carne.

 

Para a professora de português Rafaela Mancini, de 20 anos, que se tornou vegetariana no início da pandemia, a proteína vegetal não precisa ter o mesmo sabor da que é de origem animal.

Por causa disso ela acaba optando por fazer hambúrgueres de forma caseira, assim consegue ter mais controle em relação a quais ingredientes são utilizados.

Ainda assim, Rafaela já comeu o hambúrguer produzido pela startup Fazenda do Futuro ao pedir lanches por aplicativo, mas assume que não lhe agradou muito, exatamente por trazer a mesma sensação que a da carne de origem animal.

“O gosto eu achei parecido sim, me despertou até bastante gatilho porque fazia muito tempo que eu não sentia. Tinha gosto de hambúrguer congelado, que a gente compra para fritar. A textura também era muito parecida, parecia até que estava malpassado”, conta a professora.

 

Mas, apesar de Rafaela querer evitar este tipo de sabor, ela conta que muitos amigos consomem e gostam exatamente para saciar um pouco da “saudade” da carne de origem animal.

Gerar mais renda no campo

O potencial que o mercado de carne vegetal tem de gerar renda no campo brasileiro ainda é pouco aproveitado. Boa parte das matérias-primas e produtos prontos são comprados de outros países, mas poderiam ser desenvolvidos aqui, comenta Raquel, do Good Food Institute (GFI).

Um sinal de que a demanda dos brasileiros por proteínas vegetais vem aumentando é o avanço da importação de ervilha (+19%), lentilha (+47%) e grão-de-bico (+30%) em 2020, em relação a 2019.

 

A produção nacional dessas três leguminosas, mesmo que ainda tímida, tem aumentado nos últimos anos em nosso país. Considerando que a exportação desses grãos é muito baixa, pode-se concluir que o consumo interno tem subido”, diz Warley Marcos Nascimento, pesquisador da Embrapa Hortaliças.

Daniel Trento, coordenador-geral de Inovação Aberta da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação (SDI) do Ministério da Agricultura, diz que o Brasil tem condições de impulsionar a cadeia produtiva das pulses (feijão, ervilha, lentilha e grão-de-bico) e afirma que, no momento, o governo está em uma fase inicial, de articulação com diferentes setores.

“Nós estamos conversando com a indústria de base, agroindústria, academia e startups para ver como a gente pode coordenar para levar produtos de qualidade, a um custo acessível”, diz.

O coordenador acrescenta que esse mercado pode revitalizar cadeias que perderam força.

“Nós percebemos, por exemplo, que há uma queda do consumo do feijão e [o mercado de carne vegetal] pode se transformar em um segmento importante para os produtores que trabalham nestas cadeias”, diz Trento.

 

Como tornar mais acessível?

 

O hambúrguer vegetal tem um custo parecido com o de origem animal de uma linha “premium”, segundo Raquel, do GFI.

E o desenvolvimento da produção nacional é um dos caminhos para baratear preço, diz Felipe Krelling, sócio da Enfini Ventures, um fundo de capital de risco que investe no mercado de proteínas alternativas na América Latina e nos EUA, principalmente.

Além das pulses, o Brasil ainda importa muitos aditivos, conservantes e gorduras. E, com o dólar alto, os produtos encarecem.

 

“Outro ponto é apostar em tecnologias brasileiras e desenvolver infraestrutura nacional. […] Um exemplo é a soja, em vez da gente processar essa soja no Brasil, a gente manda ela para fora para processar”, conta Krelling.

“É um mercado que tem apenas dois anos. […] À medida que o interesse do consumidor avança, que a gente consegue ganhar escala, o preço vai caindo”, reforça Raquel, do GFI.

 

O que esperar para a frente?

 

Para a especialista do Good Food Institute, 2021 é um “momento de realismo” e de tentar “entender os impactos da pandemia na economia”.

“O food-service está sofrendo bastante. Eles são um importante canal de distribuição desses produtos (proteínas alternativas)”, diz.

“Já o varejo está operando bem, como mostrou o dado do Grupo Pão de Açúcar. Mas precisamos acompanhar para ver o que vai ocorrer neste ano”, acrescenta.

A Fazenda do Futuro, por sua vez, cresce além das fronteiras. A empresa já exporta para 15 países, como HolandaInglaterraAlemanhaAustrália, com escritórios no Brasil, Reino Unido e nos Estados Unidos.

Para o, fundador da startup, o mercado nacional de carne vegetal ainda está sendo formado e, no longo prazo, aposta em crescimento diante de um consumidor mais preocupado com a procedência dos alimentos, questões ambientais e de saúde.

G1

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