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“A Democracia que queremos” discute mecanismos para controlar o poder


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Tiago Cordeiro

P U B L I C I D A D E

É possível utilizar os mecanismos democráticos para minar a própria democracia. Para evitar esse risco, é necessário manter saudáveis e ativas diferentes instituições, dos órgãos de fiscalização até a imprensa, passando pelo próprio modelo eleitoral — que pode ser aperfeiçoado. Essas foram as principais conclusões apresentadas durante o terceiro e último evento da série de webinars A Democracia que Queremos.

Ao longo dos três encontros (em 30 de novembro, 6 de dezembro e 14 de dezembro), 24 especialistas, entre acadêmicos, políticos e personalidades públicas, se revezaram no palco do Auditório Steffi e Max Perlman do Insper, na Vila Olímpia, em São Paulo, com transmissão pela internet. O evento foi uma parceria do Insper com o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), uma entidade de empreendedores dedicados a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, economicamente mais próspera e ambientalmente sustentável.

O primeiro encontro da série debateu o tema “Como Decidir Melhor”. O segundo, “Como Incluir o Cidadão”. E o terceiro, “Como Controlar o Poder”. Eles fazem parte de um esforço mais amplo da instituição: o Insper acredita que informação de qualidade, baseada em evidência, é fundamental para a tomada de decisão. Todos os eventos permanecem disponíveis, tanto no website do Insper quanto em seu canal no YouTube.

O encontro de encerramento da série foi marcado pela continuidade nas argumentações dos oito participantes do dia. Teve início com a fala de Diego Werneck Arguelhes, professor do Insper e codiretor da Seção Brasileira da International Society of Public Law (ICON-S). Para ele, a democracia envolve, necessariamente, algum tipo de limite — o desafio é estabelecer quais são os limites. “É preciso ter em mente que limitar o poder de um agente privado é empoderar outro agente. Qualquer decisão que limita o poder de um agente é, em si, um ato de poder”, disse.

Por sua vez, o cientista político Lucas Novaes, também professor do Insper, lembrou que os partidos políticos — que são, por definição, o mais importante veículo de representação política — não têm representatividade na manifestação popular. Isso porque as lideranças de alcance nacional buscam apoio nas lideranças regionais, concretizado na forma do envio de recursos ou de nomeações.

“Um deputado não se reelege ou deixa de se reeleger de acordo com a maneira como vota ao longo de seu mandato”, afirmou Novaes. “O problema é que, ao receber uma oferta melhor, um prefeito migra para outro grupo. Por que um líder vai tentar criar um partido estruturado se esse investimento é frágil e pode ir por água abaixo?” Já Sandro Cabral, professor e coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper, apontou que os mecanismos de controle, que vinham sendo fortalecidos, se perderam. “O Brasil está menos energizado”, disse.

 

O papel da imprensa

As profundas transformações na forma como os eleitores acessam e avaliam informações ocuparam parte expressiva dos debates. “O cidadão médio tem um papel que não tinha há 30 anos, o de atuar como curador de informações. Mas, muitas vezes, ele o faz sem comprometimento algum”, afirmou Ivar Hartmann, doutor em Direito Público e professor do Insper. Para ele, esse novo cenário é resultado da dinâmica das redes sociais, que valorizam em suas ações o perfil do consumidor de informações, e não da confiabilidade do dado.

“Temos um problema de desinformação, de discurso de ódio, de excessos”, disse Hartmann, com o que concordaram, em outro painel, Eugênio Bucci, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, e Natália Mazotte, coordenadora do Programa Avançado de Jornalismo do Insper, professora e consultora especializada em dados e tecnologia.

Por fim, tanto o último palestrante, Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, quanto Carla Camurati, cineasta e diretora do recém-lançado documentário Oito Presidentes, 1 Juramento – A História de um Tempo Presente, lembraram que o país se ressente da falta de lideranças políticas de grande estofo, como as que unificaram a população em torno da pauta das Diretas Já, em 1984. Como resumiu a cineasta, “se a gente tiver um país no plano das ideias, vai ser mais fácil construí-lo”.

 

Estratégias de inclusão

No encontro do dia 6 de dezembro, o tema “Como Incluir o Cidadão” contou com a participação de Marcos Lisboa, presidente do Insper; Fernando Limongi, cientista político, professor da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Cebrap; Michael França, pesquisador, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e colunista do jornal Folha de S.Paulo; e Ricardo Paes de Barros, professor e coordenador da cátedra Instituto Ayrton Senna do Insper.

Também estiveram presentes Kim Kataguiri, deputado federal, Mafoane Odara, consultora, pesquisadora e ativista, e Mario Ernesto Humberg, presidente do Conselho Consultivo do PNBE, em um bate-papo moderado por André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper, e Luís Villaça Meyer, coordenador executivo do PNBE e presidente do Instituto Cordial.

“Precisamos entender as razões que levam a nossa tecnologia de transformar gastos públicos em resultados ser mais ineficaz que a de outros países emergentes”, disse Marcos Lisboa. Fernando Limongi destacou a ausência de padrão que possa ajudar a mensurar e definir se uma democracia tem mais qualidade do que outra, enquanto Ricardo Paes de Barros apresentou um diagnóstico sobre a situação da pobreza no Brasil e uma proposta com seis passos necessários e suficientes para erradicar a pobreza.

Já a questão do viés racial foi destacada por Michael França como fundamental para compreender a desigualdade e os desafios enfrentados pela população negra no país. “Avanços na mobilidade social dos mais pobres não atingiram a população negra, que foi ficando para trás ao longo da história.”

Kim Kataguiri, por sua vez, afirmou que a pobreza e o viés racial têm impacto na política do país: “Teremos problemas de representatividade enquanto tivermos um país tão pobre e desigual, com muitos eleitores sem saber sobre o papel do parlamentar”. Por fim, Mafoane Odara disse que uma inclusão efetiva passa pela necessidade de fazer as pessoas serem ouvidas em suas reinvindicações e respeitadas em seus desejos. “Além de garantir as necessidades básicas, é preciso pensar sobre como essas pessoas podem desenvolver musculatura emocional para lidar com as dificuldades que estão vivendo e se emanciparem.”

 

Aprimorar o processo decisório

Já o primeiro evento da série, com o tema “Como Decidir Melhor”, no dia 30 de novembro, contou com a presença de Bruno Carazza, colunista do jornal Valor Econômico e professor da Fundação Dom Cabral, e Carlos Ari Sundfeld, professor titular de Direito na Fundação Getulio Vargas de São Paulo e sócio da Sundfeld Advogados.

Também fizeram parte da programação Lorena Barberia, livre docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Fernando Schüler, professor titular do Insper, Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, Rodrigo Maia, deputado federal, e Samuel Pessôa, economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da gestora Julius Baer Family Office.

“Esse evento surgiu em decorrência de uma preocupação: a percepção pública parece ser a de que a democracia que está ficando crescentemente disfuncional”, afirmou André Lahóz Mendonça de Barros, ao mediar o evento.

Não há dúvida de que o país vive uma crise política, disse Samuel Pessôa. “O problema apareceu nas manifestações de 2013, ficou muito agudo com as eleições de 2014 e se agravou principalmente a partir de 2015”, disse o economista, para quem a principal causa para o cenário atual é a incapacidade do sistema político em lidar com o déficit fiscal estrutural, que dificulta a capacidade do país de atrair investimentos, o que, por sua vez, está na origem da longa crise econômica na qual o Brasil está preso.

Por sua vez, Paulo Hartung disse que a participação da população na política ainda é desigual, o que fragiliza a democracia. “Os grupos organizados que influenciaram a criação da Constituição de 1988 ainda existem, mas outros surgiram. Representam uma parte importante do povo, que ficou de fora do processo no passado, e agora demanda que as instituições democráticas sejam atualizadas.”

Com relação às eleições de 2022, Rodrigo Maia defendeu uma terceira via fortalecida. “Se ficamos apenas na briga de rua entre os dois favoritos, vamos avançar pouco. Daqui a quatro anos, vamos estar debatendo os mesmos temas”. Hartung acrescentou que, em sua avaliação, essa terceira via tem poucas chances de se estabelecer porque há um vazio de lideranças no país. Mas se disse otimista, ainda assim. “O momento é crítico. Mas, se tem uma hora em que nós precisamos acertar a mão, essa hora é agora”, afirmou.

Cleinaldo Simões Assesoria

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