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Três cidades de Mato Grosso tem até 351 litros de Defensivos por habitante


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Defensivos chegaram até a ser achados no leite materno das mães e em algumas cidades a média de exposição por habitante está 80 vezes acima dos índices nacionais

P U B L I C I D A D E

Cidadãos do interior de Mato Grosso estão cada vez mais expostos a altas doses de agrotóxicos, segundo pesquisas recentes. Eles convivem, mesmo que indiretamente, com defensivos químicos que podem trazer sérios riscos à saúde, alerta pesquisador.

“Mato Grosso é um dos que mais consomem agrotóxicos no país. E aí vai ter um nível de exposição muito maior”, diz o pesquisador Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e consultor técnico do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Há mais de uma década, ele e outros estudiosos da UFMT investigam o grau de contaminação de agrotóxicos em cidades do interior. Os estudos são coordenados pelo Núcleo de Estudos Ambientais e de Saúde do Trabalhador (NEAST), do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT. Os cientistas têm se esforçado para revelar como se dá a contaminação do agrotóxico no meio ambiente e nas pessoas.

Em Lucas do Rio Verde e Campo Verde, os pesquisadores conseguiram identificar resíduos de agrotóxicos na terra, no ar e nas águas das cidades – tanto nos rios da região quanto na chuva. Eles encontraram também as substâncias químicas na urina e no sangue de trabalhadores rurais e de professores das escolas do interior. Os defensivos chegaram até a ser achados no leite materno das mães desses municípios.

Estudos mostram ainda que os municípios próximos à Bacia do Rio Juruena estão expostos a altas doses de agrotóxicos. Segundo uma pesquisa publicada nas últimas semanas, cada habitante de Campo Novo de Parecis esteve exposto a 208 litros em 2014 (29 vezes acima da média nacional). Em Sapezal, o número é de 351,5 litros por indivíduo (50 vezes acima da média). E em Campos de Júlio foi estimada uma assustadora imposição de 598 litros por habitante (85 vezes acima da média).

Em Primavera do Leste, a Human Rights Watch, um órgão de ativistas na defesa dos direitos humanos ao redor do mundo e vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), denunciou que agrotóxicos eram despejados a pouquíssimos metros de uma escola rural. O relatório, divulgado na última semana, reportou que as salas de aula, com estudantes entre 15 e 16 anos no período da manhã e adultos à noite, estão a aproximadamente 15 metros das plantações. Uma aluna chegou a relatar que sofreu uma intoxicação e vomitou várias vezes por causa do convívio com os venenos.

Já em Mato Grosso como um todo, há correlações estatísticas de intoxicações agudas (dores de cabeça, enjoos, desmaios, vômitos, alergias, entre outros), incidência de má-formação em fetos e mortalidade por câncer infanto-juvenil pelo uso e exposição constante a agrotóxicos. Os maiores casos estão concentrados no centro e no sul do Estado. Justamente nos lugares em que mais se usam a terra e mais se usam os agrotóxicos. A pesquisa é de outubro de 2017.

Segundo Wanderlei Pignati, os números de intoxicação aguda podem ser muito maiores que a pesquisa mostra. Isto porque a pessoa intoxicada pode não procurar um médico nesses casos e se automedica, ou não é diagnosticada por casos de intoxicação quando busca um serviço de saúde.  Ele vem estudando há mais de uma década a aplicação de agrotóxicos no Estado.

“A intoxicação aguda é a ponta do iceberg. Ela teria que ser a maioria. Só que a notificação é muito pequena. A cada 1 notificado, você tem 50 não notificados”, aponta.

A ONU também confirma que “não há dados confiáveis do governo sobre quantas pessoas no Brasil sofrem intoxicação por agrotóxicos” e que até os próprios números oficiais existentes podem subestimar “a gravidade do problema”.

O próprio Ministério da Saúde também reconhece que a subnotificação – quando não há registros oficiais de casos, mas se sabe que ela é muito maior que os dados revelam – é uma preocupação e que o “baixo acesso à informação por parte de trabalhadores e demais populações expostas” resulta “em um cenário de invisibilidade do problema”, conforme expõe no Relatório Nacional de Vigilância de Saúde de Populações Expostas a Agrotóxico publicado neste ano.

Além da questão da subnotificação, ainda segundo a ONU, as pessoas expostas a agrotóxicos frequentemente estão em comunidades pobres, enquanto os vizinhos são proprietários de grandes fazendas, ricos e politicamente poderosos e que podem usar esse poder para abafar os casos ou silenciar os mais fracos.

Os que defendem o agrotóxico o veem como a única alternativa para eliminar as pragas, já que não existe recurso humano ou tecnológico que dê conta de eliminá-las das plantações de milhares de hectares.

As pragas são organismos biológicos que trazem danos às plantações, como ervas daninhas, insetos, fungos e doenças. Essas sementes são geneticamente modificadas para resistir a estes defensivos químicos.

Segundo a pesquisa do professor Pignati, o Brasil plantou 71,2 milhões de hectares em 2016 e usou aproximadamente 900 milhões de litros de agrotóxicos. A soja foi a cultura que predominou em todo o país, com 42% da área plantada. E 63% desses defensivos químicos foram usados para este tipo de plantação.

Já Mato Grosso plantou 13,9 milhões de hectares e consumiu 207 milhões de litros de agrotóxicos no mesmo ano. O estado figurou como o primeiro no ranking dos maiores produtores nacionais. Dos dez municípios que mais consumiram defensivos agrícolas no país, sete são de Mato Grosso.

E é também nesses mesmos municípios que são observados os maiores casos de intoxicação aguda, má-formação de fetos, cânceres, entre outros problemas de saúde.

Comparada com os demais estados, a exposição de agrotóxico por habitante é muito maior. É estimado que cada mato-grossense estejam expostos a, pelo menos, 68,44 litros de defensivos em 2016.

A segunda colocada, Paraná, por exemplo, possui um nível de exposição mais distribuído. Em 2016, o estado plantou 10,2 milhões de hectares e usou 135 milhões de litros de agrotóxicos. A exposição é estimada em 12,97 de litros por habitante.

O glifosato foi (e é ainda até os dias de hoje) o agrotóxico mais usado por produtores rurais nas lavouras de soja. Ele é usado para combater ervas daninhas e outras plantas que podem prejudicar as plantações. A substância no Brasil é conhecida como Mato-mato, a marca mais popular é o Roundup da Monsanto.

O herbicida é objeto de estudos científicos por controvérsias sobre seu caráter cancerígeno e outros malefícios à saúde humana. Com análises em ratos, pesquisadores franceses identificaram que as fêmeas desenvolveram grandes tumores mamários. E os machos chegaram a desenvolver câncer 20 meses mais cedo.

A Anvisa ainda não é capaz de reconhecer o glifosato no meio ambiente ou nos alimentos. O órgão reconhece a sua própria limitação. Em relatório, o fiscalizador disse que não consegue analisá-los, pois eles exigem métodos diferentes dos que são aplicados em outras substâncias.

Mais pesquisas estão sendo desenvolvidas para investigar possíveis intoxicações ou contaminações por agrotóxico em habitantes de municípios do interior mato-grossense. Atualmente, o professor Pignati e outros professores, pesquisadores e alunos (da graduação ao doutorado) desenvolvem três projetos de pesquisa para apurar o assunto. Mais resultados podem sair nas próximas semanas.

“PL do veneno”

As leis que definem o uso de agrotóxicos no país podem ser modificadas. A nova proposta pretende alterar os critérios de aprovação, a forma como são feitas as análises de risco e até a substituição de nomes de produtos. O Projeto de Lei 6.299/2002 está em vias de ser votada na plenária da Câmara dos Deputados. Os críticos chamam a proposta de “PL do Veneno”.

Segundo a ONU, a pressão política pode enfraquecer ainda mais a regulação de liberação de agrotóxicos no país.

Atualmente, a Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura são responsáveis por autorizar um novo agrotóxico. Os três órgãos precisam emitir um parecer favorável para que o produto seja registrado. Caso receba um de posição contrária, o defensivo pode demorar anos até ser liberado.

Cada órgão tem o seu papel para liberar uma nova substância no mercado agrícola brasileiro. A Anvisa avalia possíveis riscos humanos dos agrotóxicos. O Ibama determina possíveis impactos ao meio ambiente. Já o Ministério analisa o desempenho agronômico e registra o produto.

O projeto de lei em questão foi proposto pelo atual ministro Blairo Maggi (PP) em 2002. Contudo, o caso foi retomado nos últimos anos pelos parlamentares federais e aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2018.

Na prática, as liberações de novos agrotóxicos ficarão coordenadas somente pelo Ministério da Agricultura. O projeto de lei quer mudar também o nome dos produtos para “defensivos agrícolas” ou “produtos fitossanitários”. A nova proposta facilita ainda a burocracia para liberação de substâncias químicas idênticas ou similares às que já circulam no mercado.

Os agrotóxicos só seriam proibidos caso as substâncias apresentassem um risco inaceitável para humanos.

Os defensores do projeto apontam que a mudança é uma modernização necessária para o setor do agronegócio. Eles argumentam que o processo de avaliação e liberação dos agrotóxicos é muito caro e demorado. Isto porque os pareceres podem demorar anos para liberar um produto, pois os impactos só são realmente mensurados ao longo do tempo.

Já os críticos dizem que as novas leis poderiam facilitar o acesso e o uso de agrotóxicos. A quantidade de herbicidas e inseticidas poderia ser encontrada em maiores quantidades nos alimentos, argumentam. Isto poderia levar a mais problemas de saúde, como câncer, infertilidade, entre outros.

O projeto de lei recebeu 18 votos a favor e 9 contra na Comissão Especial da Câmara. Quatro deputados de Mato Grosso, Adilton Sachetti (PRB), Nilson Leitão (PSDB), Fabio Garcia (DEM) e Victório Galli (PSL) são a favor da proposta.

Ambientalistas e entidades médicas criticam duramente o projeto. Ibama, Anvisa, ONU, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Câncer e Ministério Público Federal e outras centenas de organizações e entidades são contra e expressam preocupação caso o projeto seja aprovado.

Com a aprovação da comissão, o projeto de lei está pronto para a plenária dos deputados. Caso receba aprovação da maioria, o caso pode subir para o Senado Federal. Lá, ele vai ser analisado por outras comissões e por todos os parlamentares da Casa. A palavra final é do presidente da República.

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