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Sobre o aborto e as perguntas que a mídia não quer fazer – Por Daniel Lima


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P U B L I C I D A D E

Nestes últimos dias, o tema do aborto tem voltado ao centro das discussões nacionais. Em um passo muito concreto, na sexta-feira, 3 de agosto, o STF deu início a uma série de audiências em preparação para discutir a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo PSOL, que questiona os artigos 124 e 126 do Código Penal. Esses artigos determinam como crime a interrupção intencional da gravidez tanto para a mulher como para quem realiza o procedimento. A proposta visa a liberação do aborto até a 12ª semana de gravidez, sem necessidade de autorização legal.

A discussão certamente é necessária, mas é curioso como o debate trata de alguns temas e, intencionalmente, omite outros. Em um documentário de um grande emissora de TV, o tema foi discutido com testemunhos e dados apresentados como científicos. Durante quase 30 minutos relataram o quanto sofrem mulheres que tentam realizar o aborto em clínicas clandestinas. Caso após caso foi descrito, com as devidas personagens testemunhando com voz distorcida e imagem em silhueta. As histórias e os abusos a que estas mulheres se submetem, sempre pior para as pessoas de baixa renda, são no mínimo trágicas. Foram também incluídos, sem nenhum questionamento, comentários sobre o quão mais seguro seria caso esses abortos fossem feitos na rede de saúde regular. Neste momento, qualquer pessoa com um senso crítico precisa comentar: “Mais seguro para a mulher, pois para o feto o resultado continua sendo o óbito”.

A Constituição brasileira garante o direito do ser humano a partir da concepção.

Essa é a primeira questão que é cirurgicamente eliminada do debate. A Constituição brasileira garante o direito do ser humano a partir da concepção. O respeitado jurista dr. Ives Gandra Martins afirma:

A Constituição brasileira declara, no caput do artigo 5º, que o direito à vida é inviolável; o Código Civil, que os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção (artigo 2º); e o artigo 4º do Pacto de São José, que a vida do ser humano deve ser preservada desde o zigoto.[1]

Por que então a atual discussão não aborda a questão do início da vida e do direito do ser humano ainda não nascido? A única resposta possível é que este é um ponto que os grupos de pressão pró-aborto não conseguem defender em suas argumentações. Para o cristão, a pergunta permanece: quando é que começa a vida? O que a Bíblia tem a dizer sobre esse tema?

Dentre as muitas passagens possíveis, queremos nos concentrar em apenas duas. A primeira é Salmo 139.16, que afirma:

Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir.

Com certeza Deus, em sua presciência, nos conhece antes mesmo de nossa concepção (momento em que o espermatozoide se une ao óvulo). No entanto, mais do que apenas conhecimento, o que por si só já indicaria que uma vida teve início ali, o salmista afirma ainda que essa visão de Deus tem uma relação direta com a vida que este indivíduo terá. Deus já tem uma relação com cada ser humano a partir do ventre de sua mãe. A palavra usada para “embrião” é usada somente nesta passagem no Antigo Testamento, mas poderia ser entendida (caso Davi tivesse conhecimento biológico) como a massa celular ainda indistinta. Se Deus viu essa massa e a trata como um indivíduo, temos o primeiro argumento de que a vida começa na concepção.

No entanto, uma segunda passagem que tem gerado muita discussão é a passagem de Êxodo 21.22-25. Na NVI (e também na NVT) lemos:

Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela der à luz prematuramente, não havendo, porém, nenhum dano sério, o ofensor pagará a indenização que o marido daquela mulher exigir, conforme a determinação dos juízes. Mas, se houver danos graves, a pena será vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão.

O texto é bastante claro. Caso, devido a uma briga, uma mulher grávida for atingida e a criança nascer prematuramente, uma multa será paga; agora, se houver dano tanto à criança como à mulher, a penalidade será dente por dente, olho por olho, vida por vida. Ou seja, caso a criança morra, quem causou o acidente deverá sofrer o mesmo destino.

Curiosamente, o problema é criado devido a traduções mais antigas que distorcem o sentido original do termo. Por exemplo, tanto a Almeida Corrigida Fiel quanto a Revista e Atualizada traduzem o verso 22 assim:

Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes.

Estas (e outras) versões preferem traduzir o texto como “aborte” e não “der à luz prematuramente”. Traduzido desta forma, parece que se o resultado da briga for apenas um aborto, uma multa será suficiente, mas se houver dano à mulher, então uma pena mais rigorosa deverá ser aplicada. Este entendimento indicaria que o feto tem um valor menor do que a pessoa já nascida. Dentro desta perspectiva, o aborto não seria condenado tão rigorosamente quanto um assassinato. A questão fica então em qual é o sentido da palavra traduzida por “der à luz prematuramente”, em alguns casos, e “abortar”, em outros.

A palavra usada em hebraico é yâtsâ Ela é uma palavra muito comum no Antigo Testamento. Na verdade, é usada mais de mil vezes. Em todos esses usos, a palavra tem apenas um sentido: sair ou ir. Em nenhum outro texto essa palavra é usada com o sentido de abortar ou de morte. Curiosamente, existem pelo menos duas outras palavras em hebraico que significam aborto ou natimorto, palavras estas que poderiam e são usadas várias vezes no Antigo Testamento. Ou seja, Moisés poderia usar uma dessas palavras se seu intuito fosse indicar aborto. Em resumo, também nesta passagem o valor da criança é o mesmo da mulher; mesmo que nasça prematuramente, não há qualquer diminuição do valor do feto.

Assim, na compreensão bíblica, a vida começa na concepção. Só podemos imaginar que este tema não é discutido na mídia pois não interessa ao argumento dos grupos pró-aborto. Além disso, antes de que surja uma desculpa de que esta é uma posição religiosa, importa destacar que a questão de quando começa a vida é, antes de tudo, uma questão ética e, consequentemente, jurídica. Se uma sociedade entende que a vida só começa após o nascimento, então por que limitar a legalização do aborto à 12ª semana? Por que não estender este direito de escolha da mãe até minutos antes do parto? Caso contrário, se uma sociedade entender que a vida começa na concepção, então qualquer debate sobre aborto deveria incluir considerações sobre os direitos da vida que será abortada.

Outra discussão que está na base deste debate sobre o aborto é: o quanto devemos ser responsáveis por nossas escolhas? Repare bem, não estamos, em geral, falando de escolhas nas quais a pessoa, escolhendo, não tem noção das possíveis consequências. Na esmagadora maioria dos casos, o homem e a mulher que geram uma criança têm perfeita noção, pelo menos, da possibilidade de gerarem uma criança. O humanismo tem caminhado a passos largos para isentar as pessoas das consequências de suas escolhas. Uma das estratégias é “patologizar” qualquer comportamento irresponsável ou destrutivo. Com certeza há que se estudar e considerar patologias que geram comportamentos destrutivos, mas cada vez mais isso é usado para poupar pessoas das consequências de suas ações. Recentemente, inclusive, surgiram ações que propõe considerar a pedofilia apenas como uma disfunção mental e não necessariamente um crime. Infelizmente, ao pouparmos a pessoa que realizou a ação destrutiva, seja esta qual for, estaremos penalizando a vítima. Como diz o ditado: “Não existe almoço de graça… alguém pagou por isso”.

Quanto devemos ser responsáveis por nossas escolhas? Repare bem, não estamos, em geral, falando de escolhas nas quais a pessoa, escolhendo, não tem noção das possíveis consequências.

Uma vez mais, como cristãos, podemos nos esquivar das consequências de nossas escolhas? A primeira passagem que nos informa a respeito é Gálatas 6.7-8:

Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear isso também colherá. Quem semeia para a sua carne da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna.

O apóstolo ensina uma relação muito direta entre o que fazemos e suas consequências. Certamente, devido às misericórdias de Deus, ele com frequência nos poupa de consequências que seriam naturais às nossas escolhas. No entanto, vale lembrar que Deus não tem a obrigação de nos poupar das consequências. Um exemplo é como ele lidou com o adultério e assassinato que Davi cometeu. Devido ao seu coração arrependido quando confrontado, Davi não foi morto, mas as consequências da morte de seu filho e dos conflitos em sua casa não foram retiradas.

O apóstolo continua em seu argumento declarando que esta é uma regra também espiritual, ou seja: se você semear de acordo com Deus colherá frutos espirituais, mas se semear de acordo com a carne também colherá frutos carnais. Isso obviamente não explica tantos sofrimentos que os santos de Deus têm passado, pois há muitas provações que teremos de enfrentar mesmo sem termos semeado para isso. No entanto, a regra da semeadura continua valendo. Eu, exceto pela misericórdia de Deus, sou responsável pelas escolhas que faço.

O mundo quer o direito de escolher suas ações, afirmar sua liberdade e determinar seu rumo. Ao mesmo tempo, se opõe e rejeita a ideia de que é responsável por suas escolhas.

Curiosamente, os grupos que defendem o aborto se auto intitulam pró-escolha (pro-choice, em inglês). Esta é uma característica do pensamento secular moderno. O mundo quer o direito de escolher suas ações, afirmar sua liberdade e determinar seu rumo. Ao mesmo tempo, se opõe e rejeita a ideia de que é responsável por suas escolhas. Isso acontece em todos os âmbitos. Queremos combustíveis fósseis, mas não aceitamos a responsabilidade pela poluição. Queremos comer todo tipo de comida, mas relutamos em aceitar as consequências da má alimentação. Queremos nos expressar livremente, mas nos ofendemos quando outros se expressam de um modo considerado ofensivo por nós. No tema em questão, queremos o prazer e a liberdade de escolhermos nossas relações sexuais, mas não aceitamos que relações sexuais com frequência geram filhos…

Certamente estas duas questões (Quando começa a vida? e Podemos nos esquivar das consequências de nossas escolhas?) não esgotam a discussão, mas nos conduzem a verdades fundamentais sobre o tema. Não deveria nos surpreender que estes assuntos estejam sendo evitados pelos grupos pró-aborto. No entanto, somos chamados a “seguir a verdade em amor”. Um exame sério da Bíblia nos leva necessariamente a uma posição de defesa da vida, tanto do feto como da mãe. Não podemos fazer uma opção de defender a vida de mães em detrimento da vida do feto. Neste debate que afeta toda a nossa nação, minha oração é que sejamos claros tanto em proclamar a verdade como em declarar seu amor.

  1. Ives Gandra Martins, “Constituição garante o direito à vida desde a concepção”, Consultor Jurídico, 28 maio 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-mai-28/constituicao_garante_direito_vida_concepcao>.
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