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Por que temos dificuldade para descrever aromas e sabores?


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O que você acha mais fácil de descrever: a cor ou o cheiro da grama? A resposta pode depender de onde você nasceu – e, mais especificamente, do idioma que você cresceu falando.

P U B L I C I D A D E

Os seres humanos são frequentemente caracterizados como seres visuais. Se o inglês é a sua língua nativa, é algo que você pode concluir intuitivamente. Afinal, o inglês possui um rico vocabulário para cores e formas geométricas, mas poucas palavras para descrever aromas.

No entanto, um estudo global recente sugere que a forma que vivenciamos o mundo – vendo, ouvindo, cheirando, degustando ou sentindo – varia enormemente entre as culturas. E essa preferência é refletida em nossa linguagem.

Os pesquisadores analisaram 20 idiomas da Europa, América do Norte, América do Sul, Ásia, África e Austrália – e realizaram uma série de testes em diferentes regiões, desde grandes cidades a aldeias indígenas remotas.

Os cientistas pediram aos participantes do estudo para descrever estímulos sensoriais, como um colorido papel, um gole de água com açúcar ou o aroma de um cartão perfumado.

Os resultados sugerem que nosso estilo de vida, o ambiente em que vivemos e até mesmo a forma das nossas casas podem influenciar nossa percepção – e quão fácil (ou não) achamos colocar essa percepção em palavras.

“Acho que muitas vezes pensamos sobre a linguagem como nos dando informações diretas sobre o mundo”, diz Asifa Majid, professora de linguagem, comunicação e cognição cultural na Universidade de York, no Reino Unido, que liderou a pesquisa.

“Você pode ver isso em como pensamos a respeito dos sentidos e como isso se reflete na ciência moderna”.

Majid lembra que muitos livros se referem aos seres humanos como criaturas visuais.

“Parte do raciocínio que leva a isso é a porção do cérebro que é dedicada à visão versus o cheiro, por exemplo.”

“Mas outra evidência crucial é a linguagem. Muitas vezes as pessoas dizem que há muito mais palavras para descrever aquilo que vemos, do que o que sentimos. Temos, por exemplo, dificuldade para falar sobre aromas”, explica.

No entanto, Majid afirma que algumas sociedades são muito mais orientadas pelo som ou pelo olfato. Em sua pesquisa com os Jahai, uma comunidade de caçadores-coletores na Península da Malásia, no sudeste asiático, ela registrou um vocabulário para cheiros tão variados e precisos quanto o vocabulário da língua inglesa para cores.

O estudo reuniu especialistas em diversos idiomas – do umpila, falado por apenas 100 pessoas na Austrália, ao inglês, falado por cerca de um bilhão de pessoas em todo o mundo. No total, 313 pessoas foram analisadas.

Os pesquisadores apresentaram a eles os diferentes estímulos e, em seguida, mediram o nível de “codificabilidade” – ou seja, o nível de concordância entre as respostas de cada grupo na hora de nomear um mesmo estímulo.

Um alto nível de “codificabilidade” significa que um grupo tem uma forma determinada de falar, digamos, certas cores. Já um nível baixo de “codificabilidade” pode indicar que o grupo não possui um vocabulário compartilhado e comumente aceito para essas cores, ou que é incapaz de identificá-las.

Os nativos em inglês se saíram melhor ao descrever formas e cores. Todos concordaram, por exemplo, que algo era verde ou triangular.

Quem fala laociano e farsi, por outro lado, se destacou ao classificar sabores. Quando ofereciam água com gosto amargo, todos os participantes do estudo de língua farsi descreviam como talkh, que quer dizer amargo.

Este não foi o caso daqueles que falavam inglês. Ao tomar a mesma água, “eles disseram tudo, desde amargo a salgado, azedo, nada mal, pura, com menta, parece cera de ouvido, medicinal e assim por diante”, conta Majid.

Segundo ela, esse tipo de confusão com os sabores acontece sempre com os nativos em língua inglesa em testes de laboratório:

“Eles descrevem o amargo como sendo salgado e azedo, eles descrevem azedo como amargo, eles descrevem o salgado como sendo azedo. Então, apesar de existir o vocabulário, parece haver alguma confusão na mente das pessoas sobre como mapear sua experiência de paladar na linguagem. “

Curiosamente, as comunidades linguísticas que alcançaram pontuações mais altas no quesito degustação – farsi, laociana e cantonesa – têm cozinhas notoriamente sofisticadas que exploram uma variedade de sabores diferentes, incluindo o amargo.

Outros participantes tiveram dificuldade em certas tarefas porque seu idioma simplesmente não tinha vocabulário para descrever o que estavam vendo.

A umpila, língua falada por uma comunidade de caçadores-coletores na Austrália, só tem palavras para as cores preto, branco e vermelho, por exemplo.

No entanto, os participantes que falavam umpila tiveram mais facilidade na hora de descrever aromas. Esta predisposição ao olfato, e não à visão, é observada em comunidades de caçadores-coletores em todo o mundo, incluindo os Jahai, mencionados anteriormente.

A razão pode estar relacionada ao fato de que vivem e caçam em florestas com ampla variedade de aromas.

A diversidade sensorial também se confirmou na linguagem de sinais. Quem fala kata kolok, língua de sinais de uma aldeia de 1,2 mil habitantes em Bali, na Indonésia, teve quase tanta dificuldade quanto os nativos em umpila para descrever cores.

Já quem se comunica pela língua de sinais americana e britânica, por outro lado, achou essa tarefa relativamente fácil e apresentou uma pontuação quase igual à dos nativos em língua inglesa.

Fatores culturais, que contemplam da arte à arquitetura, também parecem ter influenciado o desempenho dos participantes nos diferentes testes.

Pessoas de comunidades que faziam cerâmica se saíram melhor ao falar sobre formas. Indivíduos que viviam em casas angulares, em vez de redondas, tendiam a descrever com mais facilidade as formas geométricas.

E aqueles que pertenciam a comunidades em que há músicos profissionais descreveram melhor os sons – mesmo que não fossem músicos.

“Apenas por ter músicos especializados significa que essa comunidade desenvolve uma certa maneira de falar sobre os sons, e que todos parecem ter mais jeito para falar sobre os sons”, diz Majid.

Para aqueles que passam mais tempo em frente às telas silenciosas e inodoras do celular do que entre plantas perfumadas e performances musicais, o estudo poderia ser um convite a buscar novas experiências sensoriais.

Mas, acima de tudo, é um lembrete do valor da diversidade linguística. A umpila, por exemplo, está ameaçada de extinção. O número de nativos na língua vem diminuindo.

E, ainda assim, quando se trata de descrever aromas, essa língua rara e em vias de desaparecer parece ter uma vantagem sobre o tão falado inglês.

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