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“Perdemos o medo das Infecções Sexualmente Transmissíveis e isso está nos deixando doentes”


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Em um sábado de pré carnaval, um jovem se posiciona na fila do caixa do mercado e começa a ler um pacote de camisinha que estava na gôndola ao lado.

P U B L I C I D A D E

No momento em que chega sua vez de passar as compras, fica indeciso e solta o preservativo em cima da esteira. A atendente pergunta se ele vai levar. Ele responde em tom de brincadeira: “Vish, vai ficar pesado para carregar essas camisinhas”. Em seguida, ele paga os produtos e vai embora.

Ao fim da tarde, uma situação parecida. Um senhor por volta de 55 anos vai à farmácia e, depois de pegar o creme de barbear, segura nas mãos um pacote de camisinha. Da seção ao lado, tento observar se ele vai levar o preservativo. Após alguns segundos, ele larga o pacote e se de dirige ao caixa.

Essas duas situações foram vivenciadas pela repórter que escreve essa matéria e mostram, de forma isolada, dois momentos em que não houve interesse pelo uso da camisinha. Não é possível saber se os dois personagens em questão costumam se expor a um comportamento de risco em suas relações sexuais.

Mas infelizmente, dados vêm mostrando que a camisinha não está no item de prioridades dos brasileiros.

Para se ter uma ideia, uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde mostra que 6 em cada 10 jovens já deixaram de usar camisinha nas suas relações. Entre a população adulta, as estatísticas também são preocupantes. Cerca de 52% dos brasileiros afirma que nunca ou raramente usa camisinha.

O ginecologista José Eleutério Junior, presidente da comissão de Doenças Infecto-Contagiosas da Febrasgo, explica que apesar de a camisinha ser um método que ajuda a prevenir a maioria das infecções transmitidas sexualmente (IST), a sociedade de uma maneira geral não está adequadamente consciente disto e tem negligenciado seu uso.

Inversamente proporcional à nossa baixa adesão ao uso da camisinha está nosso interesse em conhecer pessoas e, potencialmente, nos envolvermos sexualmente com elas. Um exemplo disso é que o Brasil é o 2º país onde que mais faz sexo no mundo, de acordo com uma pesquisa feita pela fabricante de camisinha Durex.

ISTs

Transar sem camisinha expõe o corpo ao risco de contaminação por Infecções Sexualmente Transmissíveis, nome dado a condições de saúde causadas por vírus, bactérias, fungos ou outros microorganismos que podem ser transmitidas pelo contato genital (pênis ou vagina), oral ou anal com pessoas que estejam contaminadas.

O Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das IST, do HIV/AIDS e Hepatites Virais passou a usar a nomenclatura IST no lugar de DST. O motivo é que a denominação “D” de DST deriva de doença, o que, de acordo com o Ministério da Saúde, implica em sintomas e sinais visíveis no organismo.

Já as infecções podem ter períodos sem a manifestação de sintomas, como a sífilis e a herpes genital, e algumas até se mantém assintomáticas durante toda a vida da pessoa, como o HPV e o vírus da herpes, em alguns casos detectáveis somente por exames laboratoriais. O termo IST também é comumente utilizado pela Organização Mundial de Saúde. Portanto vamos falar IST’s daqui pra frente.

Epidemia do sexo desprotegido

Como consequência das relações sem camisinha, infecções que antes não apresentavam perigo à sociedade hoje são consideradas epidemias. É o caso da sífilis, que desde 2011 vem crescendo no Brasil. No ano de 2010 haviam sido registrados 1249 casos de Sífilis. Em 2015, esse número saltou para 65.878, um aumento de mais de 5.000%, e chegou em 87.593 casos em 2016.

A sífilis é uma infecção causada pela bactéria Treponema pallidum, geralmente é transmitida via contato sexual e entra no corpo por meio de pequenos cortes presentes na pele ou por membranas mucosas. O tratamento é feito a partir da penicilina.

Entre os anos 1990 e 2000, o uso da camisinha era maior entre a população. Da mesma forma, o acesso à penicilina era simples e de baixo custo. Isso fez com que houvesse uma redução nos casos de sífilis. Mas foi justamente por ter um tratamento simples e por ninguém acreditar que seria possível que a sífilis se tornasse uma ameaça que as pessoas pararam de se preocupar com ela

Outra IST que vem preocupando autoridades de saúde do Brasil e do mundo é a gonorreia, uma doença causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae, também conhecida como gonococo. Em julho de 2017 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou um alerta para o fato de que a gonorreia está se tornando cada vez mais difícil de tratar. Segundo a Organização, em algumas situações a cura para a doença foi considerada impossível, pois vem adquirindo resistência aos antibióticos.

No Brasil, a gonorreia ainda não pode ser considerada como super-resistente. Mas é preciso atenção, uma vez que por ano são registrados em torno de 500 mil casos no país.

Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde mostra que 54,6% da população entre 16 e 25 anos tem HPV. Dessas cerca de 38,4% apresentam alto risco de desenvolver câncer de colo de útero.

O infectologista Jessé Reis, do Laboratório Delboni Auriemo Medicina Diagnóstica, explica que se não houver uma conscientização sobre o perigo das IST’s pode acontecer de elas se tornarem doenças crônicas no futuro. “A infecção pelo HPV está ligada a evolução para o câncer de colo uterino e de outros sítios. Hepatite B, também uma IST, pode ocasionar cirrose e predispor ao câncer de fígado. Doenças simples, como uretrites por gonococo e clamídia, podem levar a comprometimento da fertilidade do casal”, alerta.

Vírus HIV: do medo à negligência

Nem sempre o uso da camisinha foi negligenciado. Nos anos 80 o mundo foi assombrado pela epidemia da AIDS, e ninguém sabia muito sobre o assunto. Aqui no Brasil ela chegou recebendo o nome de “doença desconhecida”, e muitas pessoas acreditavam que era uma infecção que só faria mal à população homossexual e dependentes químicos. Tempos depois descobriu-se que esse era um tremendo de um erro e que a infecção era capaz de contaminar qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual ou condição social.

“De repente o medo passou a gerenciar o comportamento das pessoas. Com o tempo, pôde-se observar que todos estavam expostos, e a solução apontada como a mais eficaz era o preservativo. Com isso houve um aumento no uso da camisinha entre os jovens daquela época”, explica Reis.

No ano de 1987, as coisas melhoraram com o lançamento do coquetel de medicamentos AZT. Em 1991, o país inicia a distribuição gratuita de antirretrovirais. Como resultado das ações de combate, no ano de 1999 o governo federal divulga uma redução de 50% de mortes causadas pelas complicações da AIDS e 80% de infecções oportunistas, devido ao uso do coquetel de medicamentos.

“A partir do momento que começaram a surgir possibilidades de controle do HIV, o uso do preservativo, que tinha recebido alguma adesão, passou a ser negligenciado. Perdemos o medo de nos contaminar com Infecções Sexualmente Transmissíveis e isso está nos deixando doentes”, afirma a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, fundadora e coordenadora geral do ProSex dos Hospital das clínicas da Universidade de São Paulo.

Desinteresse pela camisinha: um problema com diferentes motivos

Com os avanços na área da medicina, a população não perdeu apenas o medo da AIDS, perdeu o medo também da diabetes, hipertensão, colesterol, ataque cardíaco e, até mesmo, de alguns tipos de câncer. As descobertas científicas e a inovação nos tratamentos nos deram a possibilidade de conviver com doenças que antes matavam em curto ou médio prazo. Ainda morre-se por causa dessas doenças? Todos os dias. Mas também é possível conviver com elas.

Acredite: saber que existe um remédio capaz de amenizar os sintomas de alguma doença é meio caminho andado para, justamente, nos descuidarmos da própria saúde. Carmita acredita que em relação à saúde, preferimos remediar a prevenir. Logo, é muito mais fácil pra nós pensar em tratar uma Infecção Sexualmente Transmissível do que evitá-la.

“As pessoas acham que, se existe um tratamento, é possível usufruir deste método. Atualmente quem convive com o vírus HIV consegue ter uma qualidade de vida seguindo corretamente as orientações médicas. Isso faz com que pareça que é tranquilo ter uma condição de saúde como essa. Mas não é”, ressalta a especialista.

Em suma, somos um povo que padece de esperança na ciência; e, ainda que inconscientemente, por conseguirmos conviver com algumas doenças crônicas, acreditamos que somos invencíveis.

Para o psicólogo Oswaldo M. Rodrigues Júnior, do Instituto Paulista de Sexualidade, essa sensação de confiar demais e sentir-se imortal diante das doenças faz com que as pessoas mantenham regras erradas nas escolhas que fazem para suas vidas, colocando-se muitas vezes em situações de risco. E cada vez que se arriscam e não têm consequências compreendem que estão confirmando que realmente são invencíveis entrando num círculo vicioso.

Se apegar demais às próprias certezas fecha a porta para possibilidades. Existem muitos homens que apresentam um comportamento reativo diante da camisinha por acreditarem que o preservativo diminui a sensibilidade e consequentemente a ereção. De fato a camisinha pode fazer com que alguns sintam diferença, mas não são todos os homens que manifestam esse problema e nem são todas as camisinhas que interferem na ereção. Para falar a verdade, até existem alguns modelos que aumentam a sensibilidade e prolongam e excitação. Portanto, com algumas mudanças de ideia e alguns ajustes é possível ter uma relação prazerosa e segura.

Na visão da sexóloga Carla Cecarello essa dificuldade em manter a ereção com o uso da camisinha tem uma relação muito mais próxima com aspectos psicológicos do que físicos. “Homens inseguros e que não confiam em seu desempenho costumam apresentar problemas na hora de colocar a camisinha. Outros não enxergam como algo normal interromper as preliminares para colocar o preservativo. É necessário que os homens se conheçam, identifiquem suas fraquezas e aprendam a lidar com elas”, enaltece.

A resistência diante do sexo seguro também tem uma questão geracional. Com o aumento da expectativa de vida do brasileiro, prolonga-se também a vida sexual da população. Sendo assim, pessoas idosas também são sexualmente ativas, mas, assim como muitos jovens, também não usam camisinha.

O que acontece é que pessoas com idade mais avançada tiveram um acesso menor à educação sexual quando começaram a transar com outras pessoas – e sem informação fica difícil que elas entendam a importância da proteção na hora do sexo.

A crença de que depois de certa idade é desconfortável mudar antigos hábitos predomina nessa hora. Em paralelo, existe também o fato de que usar camisinha parece coisa de pessoas que têm muitos parceiros sexuais. Logo, explicar para um casal que está junto há décadas que é necessário usar camisinha pode ser um assunto delicado de ser abordado por um médico, por exemplo.

“As pessoas acima de 50 anos tinham entre 20 e 30 nas décadas de 1980 e 1990, época em que se discutia com mais frequência questões relacionadas ao aparecimento do HIV, e pouquíssimas foram educadas na infância e adolescência sobre sexualidade. Portanto, quando chegaram à vida adulta, tornaram-se adultos com um pensamento atrelado à época que tinham na adolescência”, exemplifica Rodrigues. Ele completa dizendo que essas pessoas ao passarem uma ou duas décadas sem se contaminarem consideram isso como uma forma de serem imunes às IST’s.

Mas ninguém é imune, e na última década os casos de HIV em pessoas acima de 50 anos praticamente dobraram. Vale lembrar que assim como na terceira idade não existe muita preocupação com prevenção, essa população também raramente faz exames para rastreamento de possíveis infecções sexualmente transmissíveis, fazendo com que muitas condições de saúde sejam diagnosticadas apenas em estágio avançado. Atribuindo assim mais um risco de morte à população idosa.

Muita prática pouca teoria

O sexo está presente na música, na literatura, na televisão, na propaganda e principalmente nas nossas relações. Mas fica de fora das nossas conversas pelo menos quando o assunto é prevenção. E se não existe uma troca de informações assertiva, dificilmente vamos acertar no momento da transa.

Um dos principais motivos que leva a essa desinformação é o fato de que o sexo ainda é um tabu, mesmo que grande parte da população seja sexualmente ativa. “Tanto jovens quanto adultos não falam sobre sexo de forma responsável. a sociedade ainda está carente de educação em termos de prevenção de IST”, explica o ginecologista José Eleutério da Febrasgo.

Esse hábito de evitar falar sobre sexo seguro, de acordo com os especialistas, vêm de uma ideia moralista de que quem fala muito de sexo é, de certa forma, promíscuo. Rodrigues explica que tem-se a falsa ideia de que falar sobre IST’s é quase uma comprovação de que sexo demais causa doenças. “A construção social dirá que a pessoa que fala sobre IST’s é promíscua. Mas é justamente esse pensamento que facilita a existência dessas condições de saúde, pois dificulta que se fale a respeito, incluindo as possibilidades de enfrentamento e de prevenção dessas infecções”.

Carmita acredita que quando o assunto é sexo o comportamento não acompanha o conhecimento. “Depois que as pessoas iniciam a vida sexual sem camisinha dificilmente haverá um interesse pela prevenção. É por isso que é importante que a educação sexual comece antes da vida sexual prática”, explica.

Falar sobre sexualidade na infância pode incomodar. Afinal, parece que abordar esse tema com os filhos, de certa forma, pode abrir caminho para uma sexualização precoce. Mas uma pesquisa realizada pela OMS mostra o contrário.

De acordo com a Organização, pessoas que foram informadas sobre educação sexual na infância, na verdade, tiveram a primeira relação mais tarde do que aqueles não receberam essa orientação. Essas pessoas transaram quando se sentiram prontas para isso. A sexóloga acredita que quem não tem informação aprende sobre sexo com as vivências e sem orientação é mais fácil de errar na hora da prática.

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Foto Google

Publicidade sobre ISTs: qual o público-alvo?

A questão da falta de informação sobre sexo seguro não é responsabilidade apenas da população. Governo, empresas, médicos e até a imprensa tem participação nisso. É papel da sociedade como um todo abordar e informar sobre o assunto, mas não é isso que acontece.

Anualmente o Ministério da Saúde realiza campanhas de conscientização sobre a importância do uso de preservativo, ocupa espaço publicitário na grande mídia, disponibiliza preservativos em postos de saúde e também em eventos como o carnaval. No entanto, a mesma comunicação é direcionada para todos os públicos-alvos. Um adolescente ou um jovem adulto até podem entender uma campanha tendo a cantora Pabllo Vittar como protagonista, mas provavelmente não irá atingir da mesma forma um casal da terceira idade. Do mesmo modo que uma publicidade em que os personagens em questão são um casal heterossexual dificilmente vai representar à população LGBT e vice-versa.

“As campanhas que temos não se comunicam com as pessoas. Além de não serem dirigidas às diferentes camadas da sociedade, elas apenas repetem que é necessário usar camisinha. Isso torna a camisinha desinteressante, ninguém se sente estimulado usá-la. É preciso erotizar o uso da camisinha, tirar as verdadeiras dúvidas das pessoas, torná-la interessante sem ser vulgar”, explica a sexóloga Carla.

Mesmo que a publicidade não dê conta de falar com todos os públicos, é papel dos médicos perguntar aos seus pacientes sobre a saúde sexual de seus pacientes. Mas infelizmente, devido ao sexo ainda ser um tabu, nem o médico e nem o paciente se sentem confortáveis para falar sobre prevenção.

Eleutério explica que devido à correria diária a medicina preventiva é pouco usada, para piorar, os tabus em torno do sexo dificultam esse diálogo. “Os pacientes só falam a respeito quando manifestam algum sintoma genital. E o médico só aborda quando identifica alguma anormalidade no paciente. O ideal é que a estratégia seja a educação sobre o uso do preservativo e o diagnóstico precoce”.

Vamos nos proteger?

Você se lembra da sua primeira transa? Se sim, provavelmente deve ter achado aquela experiência um pouco estranha. Não é mesmo? Mas com o tempo começou a gostar de sexo, foi descobrindo as suas e as regiões erógenas de outras pessoas e se aprimorando na prática.

A maneira como nos relacionamos evoluiu com o passar do tempo. Se antes as pessoas com quem transávamos a primeira vez eram, muitas vezes, com quem iríamos nos casar, hoje nosso leque de opções está bem maior. Os relacionamento não duram tanto tempo, pessoas viúvas perceberam que podem existir novos encontros após o luto e estamos construindo novas configurações de relacionamentos.

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Foto Google

Em suma, temos possibilidade de nos relacionarmos com uma ou várias pessoas. Mas é importante que a gente usufrua dessa liberdade com respeito às nossas vidas e as vidas dos outros. O uso da camisinha tem tudo a ver com liberdade e respeito. E se cada um de nós tentar se informar, ler sobre o assunto, conversar com as pessoas que estão próximas, perguntar quando não souber, dizer não quando o parceiro (a) quiser transar sem camisinha, teremos mais saúde e faremos um sexo seguro e gostoso. Vamos tentar?

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