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Obesidade, vícios e prazeres: o que eles têm em comum?


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Dr. Renato Falci Júnior

P U B L I C I D A D E

Quem já tentou emagrecer conhece a enorme dificuldade para chegar ao peso desejado. A obesidade é, sem dúvidas, um grave problema de saúde individual e coletiva neste século. Em 2025, o mundo terá mais de 700 milhões de adultos obesos[1]. No Brasil, hoje, mais de 50% da população adulta está acima do peso e um quinto dos adultos está com obesidade[2]. 

Até hoje, os mecanismos envolvidos no ganho de peso descontrolado eram pouco claros. Temos percebido o fracasso da maioria das dietas e os resultados insatisfatórios das terapias mais agressivas, como a cirurgia bariátrica. Segundo a Universidade da Califórnia, indivíduos que se submetem a dieta para emagrecer por seis meses perdem apenas 5% a 10% do seu peso inicial, e, nos anos subsequentes, dois terços deles, ganham mais peso do que perderam[3].

No entanto, a neurociência parece que nos dá uma luz para entender melhor esse grande problema e um caminho para enfrentar a dificuldade para emagrecer.

O estudo do comportamento humano frente aos vícios teve início em meados do século passado. Por décadas, atribuiu-se esse mecanismo de repetição descontrolada de um ato prazeroso a um grupo de pessoas consideradas de personalidade fraca ou de formação moral incompleta. Tempos depois, por meio do uso da neuroimagem funcional, que é um método de imagem que permite mapear as áreas cerebrais ativadas em determinados comportamentos, a ciência descobriu que o cérebro humano processa de forma semelhante praticamente todas as formas de prazer.

Independentemente de o prazer ser originado por ingestão de uma substância química (drogas), recompensa financeira, encontro sexual, jogos, compras, pornografia, ingestão de uma refeição ou outra fonte qualquer, ocorre liberação de dopamina – uma substância química que transmite informação aos neurônios – no núcleo acumbente, que é uma pequena região no cérebro responsável pelo prazer. Este núcleo é tão específico para essa atividade que é conhecido como núcleo do prazer.

Uma vez estimulado o núcleo do prazer, independentemente do fator gerador, ocorre a ativação de outros dois centros no cérebro: um centro que memoriza o prazer (hippocampus) e outro que associa o prazer a seu ato gerador, induzindo a sua repetição (amigdala). Portanto, ao experimentar uma sensação de prazer, o cérebro, além de memorizá-la, armazena a forma como ela foi obtida, fixando uma tendência comportamental para repeti-la. É como se o cérebro montasse uma armadilha para que o indivíduo repita incansavelmente o ato prazeroso[4].

Tudo isso funciona muito bem – e é essencial para a sobrevivência do ser humano – até o momento em que o ato que desencadeia a sensação de prazer possa ser repetido de forma fácil ou pouco custosa para o organismo. Nesta situação, ou ainda quando é induzido por algumas substâncias químicas como as drogas, o cérebro é capaz de fazer uma autorregulação na região do prazer, diminuindo o efeito da “substância do prazer”, a dopamina. Ou seja, o cérebro humano passa a ficar mais resistente ao efeito prazeroso desencadeado por determinado estímulo. Com isso, as demais regiões encarregadas em repetir o ato gerador do estímulo se hiperativam na tentativa de gerar o mesmo resultado. Nesse momento, o mecanismo de vício está instalado.  O mesmo cigarro fumado, o mesmo dinheiro ganho ou o mesmo pedaço de bolo não serão mais capazes de gerar o mesmo nível de prazer ao cérebro humano que eles geravam no início. Ele quer mais.

A distância entre o ato de prazer e o vício é variável e depende de uma série de fatores como predisposição genética, atos ou substâncias indutoras e capacidade de controle. A facilidade de repetição do ato parece ter papel fundamental, e isso é facilmente observado na alimentação. A ingestão de alimentos sempre gerou essa recompensa no cérebro. Ocorre que, no passado, a obtenção de alimento era acompanhada de grande gasto de energia, o que dificultava sua repetição frequente. Com o avanço tecnológico, a comida tornou-se barata e de fácil obtenção, favorecendo e aumentando exponencialmente a incidência de obesidade.

O que nos resta, até que se descubra uma forma de mudar essa dinâmica, é treinarmos, desde pequenos, a conter essa aparente tendência do comportamento humano.

No caso específico da prevenção da obesidade, à luz dessas novas evidências, abre-se um caminho para o controle do ganho de peso, que consiste em cortar esse ciclo gerador de prazer, exatamente no momento em que percebemos a tendência ao vício em comida. Ter o hábito cotidiano de se alimentar com moderação, frente a esse novo achado científico, surge como um mecanismo, embora aparentemente desagradável, promissor no controle da obesidade.

Dr. Renato Falci Júnior é urologista e membro do comitê científico do Instituto Lado a Lado pela Vida

[1] Organização Mundial da Saúde (OMS)

[2] Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

[3] Dieting does not work. UCLA researchers report, 2007.

 

[4] How addiction hijacks the brain. Harvard Health Publishing, Harvard Medical School, 2011

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