Conectado por

Saúde

Obesidade, que atinge mais de 25% da população brasileira, ainda não é eixo central nos principais cursos de saúde


Compartilhe:

Publicado por

em

Estudo Working paper do Painel Brasileiro da Obesidade (PBO) mostra que, entre as melhores instituições de ensino superior do país, a obesidade aparece em poucas disciplinas

P U B L I C I D A D E

Entre cinco principais cursos universitários brasileiros que compõem a área da Saúde, somente dois deles possuem disciplinas voltadas à obesidade. Segundo especialistas, a doença, que afeta 25,9% da população adulta no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), exige um tratamento integral. Isto significa que para se tratar a obesidade, é preciso reconhecer que ela pode estar ligada a outros fatores para além da genética, estando vinculada às condições sociais e econômicas do paciente. Porém, sem uma formação específica nesse tema, um tratamento multifatorial é dificultado.

Considerando que internacionalmente a obesidade já é reconhecida como pandemia, estando associada a 15 tipos de câncer, o Painel Brasileiro da Obesidade (PBO), uma iniciativa do Instituto Cordial, elaborou um working paper que explora matrizes curriculares (documentos responsáveis por especificar as disciplinas e as cargas horárias de cada curso) de diversas universidades brasileiras. A finalidade é entender o cuidado e a integração que a obesidade exige daqueles profissionais da saúde que lidam com seu tratamento e refletir sobre como esses fatores são abordados na formação, principalmente acadêmica, de profissionais da saúde.

O material buscou a matriz curricular dos cursos de Educação Física, Enfermagem, Medicina, Nutrição e Psicologia de dez Universidades brasileiras, sendo cinco públicas e cinco privadas. Cada par compõe uma região do Brasil e, para a escolha das instituições, foi considerado o critério de estarem colocadas nas melhores posições do Índice Geral de Cursos (IGC) de 2020, ranking do Ministério da Educação.

Nesse levantamento, ficou constatado que somente os cursos de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e de Nutrição da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) possuem, em suas grades curriculares, disciplinas sobre obesidade. “Os conteúdos curriculares dão maior prioridade às questões de saúde individuais do que aos coletivos, e desconsideram fatores ambientais, psíquicos, afetivos, históricos e culturais do processo de saúde-doença do ser humano”, aponta a pesquisa.

Esses fatores seriam de grande importância para se entender os contextos em que a obesidade surge entre indivíduos da sociedade e, assim, definir melhor o seu tratamento. Isto é, por conter consequências econômicas, sociais e metabólicas, a obesidade requer um panorama de maior integralidade em seu ensino, aspecto que não aparece no modelo tradicional de formação na área da saúde, o dito biomédico.

Segundo ele, o corpo humano seria como uma máquina. As doenças que contraímos seriam desequilíbrios nesse sistema. Considerando que o modelo biomédico está na base de cursos universitários na área da saúde, a regularização da obesidade nos currículos brasileiros passa a enfrentar um obstáculo.

“Nós questionamos o modelo biomédico, porque ele não compreende o indivíduo como um todo, a sua forma integral. É por isso que fragiliza o cuidado e a assistência desse indivíduo” afirma Doralice Batista das Neves Ramos, responsável pela pesquisa e elaboração do working paper. Ao romper com esse modelo, o profissional da saúde passaria a olhar o paciente de forma mais ampla,  considerando suas possibilidades, fragilidades e  o ambiente que influencia nas suas condições de saúde.

Quem estabelece esse modelo são as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de cada curso. As principais DCN para a área da saúde foram aprovadas entre 2001 e 2002. São elas que apresentam a descrição do Projeto Pedagógico dos Cursos (PPC), elaborados em consonância com o Projeto Pedagógico Institucional (PPI). O currículo dos cursos, assim, parte “de uma concepção pedagógica articuladora com princípios educacionais, com legislação e com as políticas vigentes, capaz de traduzir na sua essência os anseios da comunidade acadêmica a partir de uma pedagogia competente”.

Pelo que se analisou no working paper, nenhuma DCN dos cinco cursos analisados pontuou a importância de se trabalhar o caráter multifatorial da obesidade. Por isso, nem todos os profissionais da saúde saem da Universidade preparados para lidar com essa doença.

De que modo, então, incluir a obesidade na formação dos profissionais de saúde? Essa é uma das questões que o working paper se propõe a responder ou a pelo menos estimular reflexões sobre. Um dos caminhos poderia ser seguir o exemplo de países como Austrália e Irlanda e criar o curso Ciências da Obesidade com intuito de oferecer uma formação mais especializada no assunto. Apesar disso, ainda seria necessário avaliar se a existência desses cursos implicaria em uma melhora do perfil nutricional da população ou em relação ao cuidado da obesidade pelos profissionais de saúde.

O material também indica a inserção da disciplina de obesidade na grade curricular de mais disciplinas voltadas à área da saúde. “Se os profissionais da saúde não têm esse contato [com a obesidade] durante a graduação, eles vão chegar nos atendimentos depois de formados e não vão entender a complexidade da obesidade”, aponta Doralice

Também se apresentam como alternativas viáveis a abordagem da obesidade na formação dos profissionais da saúde desde o início da faculdade, o que facilitaria a promoção do caráter multifatorial no ensino sobre a doença. Seria importante ter essa temática já regularizada nos currículos de graduação, tendo em vista que o acesso a uma pós-graduação de qualidade não está ao alcance de todos os profissionais da saúde brasileiros.

Soma-se a esse cenário o incentivo financeiro que partiu do Ministério da Saúde em 2019 por meio da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN). Por meio dele é possível estimular a formação permanente de profissionais e gestores de saúde com relação à obesidade: “Incentivos como esse são fundamentais para instrumentalizar os profissionais e gestores, com o intuito de qualificar as ações desenvolvidas”, apontou o working paper.

Na visão do PBO a solução e sua respectiva viabilidade dependem de proposições que vão desde reunir atores de diversas áreas para discutir a formação em obesidade até organizar pesquisas com foco na atualização das Diretrizes Curriculares de todos os cursos da área da saúde, como busca fazer o estudo.

Sobre a proposição mais palpável à realidade brasileira, Doralice acredita que a agenda que mais poderia se aplicar seria aquela sobre a articulação dos poderes do Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional de Educação junto com os entes dos Conselhos de Saúde. Não é um processo curto, vai demorar muito”. O resultado dessa articulação passa pela inclusão da pauta da formação em obesidade nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). O PBO é uma iniciativa realizada em parceria com a World Obesity Federation, Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), ACT Promoção da Saúde, Instituto Oncoguia, Nebin/UERJ e LaVa/UERJ. Patrocinado pela Nova Nordisk.

 

Cleinaldo Simões Assessoria – Rebeca Torres

Nossa webrádio parceira: dj90.com.br