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O que acontece no corpo quando se para de comer carne?


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Durante os últimos anos, o número de brasileiros que não consomem carne vem crescendo. De acordo com dados do IBGE e da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 14% da população do país se declarou vegetariana em 2018, o que equivale a uma entre cada sete pessoas e a cerca de 30 milhões de pessoas. A pesquisa apontou também que, nas regiões metropolitanas, este número quase dobrou em relação aos 8% de 2012 e que mais da metade dos brasileiros consumiriam mais produtos veganos caso estivesse indicado em suas embalagens. O vegetarianismo é, portanto, um movimento que ganha força no país. E como qualquer mudança nos hábitos alimentares, a interrupção do consumo de carne animal causa impactos diversos sobre o organismo, no curto, médio e longo prazo. Para melhor entender o que acontece no corpo quando se para de comer carne, o EU Atleta conversou com o médico endocrinologista Yago Fernandes e a nutricionista Luna Azevedo, especialista em nutrição vegana.

P U B L I C I D A D E

Dietas à base de plantas podem trazer melhorias diversas ao corpo, mas também inspiram certos cuidados — Foto: iStock Getty Images

Dietas à base de plantas podem trazer melhorias diversas ao corpo, mas também inspiram certos cuidados — Foto: iStock Getty Images

Yago Fernandes explica que, para começar, é importante diferenciar as ideias de veganismo e dieta plant-based (ou à base de plantas). Enquanto o primeiro é u, estilo de vida que vai além da alimentação, o segundo foca na parte da alimentação e num cuidado maior com a saúde de forma geral. Uma dieta baseada em plantas é uma dieta vegana, mas nem toda dieta vegana é necessariamente saudável e é importante estar sempre atento ao que se come.

– O veganismo é um estilo de vida. A pessoa não usa nada de origem animal, incluindo roupas, cosméticos e maquiagem, por exemplo, mas não necessariamente vai apresentar uma vida mais saudável. Lembrando que existem salgadinhos, biscoitos, sucos de caixinha e refrigerantes que não são de origem animal e não proporcionam mudanças positivas no organismo. Já o adepto à dieta plant-based é 100% saudável, pois tem o intuito de proporcionar ao corpo todos os ingredientes necessários para ele funcionar.

Dados apontam o crescimento do vegetarianismo no Brasil — Foto: SVB/Reprodução

Dados apontam o crescimento do vegetarianismo no Brasil — Foto: SVB/Reprodução

A nutricionista Luna Azevedo, especialista em alimentação à base de plantas, destaca que este tipo de dieta pode ser adotado de forma segura em todas as fases da vida, incluindo a infância e a gestação. Ela ainda aponta que a vitamina B12 é o único nutriente que demanda mais atenção quando comparado com uma dieta onívora, em que a pessoa consome alimentos tanto de origem animal quando de origem vegetal.

– Todos os nutrientes necessários ao organismo podem ser obtidos em uma dieta vegetariana. A vitamina B12 é o único nutriente ausente na dieta vegetariana estrita (em que não há nem o consumo de ovo, leite e derivados), mas que pode ser suplementada. Todas as demais orientações preconizadas para aquisição de nutrientes específicos são as mesmas nas dietas vegetarianas e onívoras.

Ao contrário do que o senso comum pode sugerir, Luna ressalta as dietas à base de plantas não atrapalham o rendimento físico e esportivo. Quando aplicada de maneira correta, ela pode trazer, inclusive, ganhos de performance.

  • Atletas de alto rendimento que não consomem carne ou adotaram dietas sem carne durante o período de competições:
  1. Alex Morgan, jogadora dos EUA e artilheira da última Copa do Mundo Feminina;
  2. Chris Paul e Kyrie Irving, astros da NBA e campeões olímpicos de basquete pelos EUA;
  3. Lewis Hamilton, maior vencedor da história da Fórmula 1 e campeão mundial nas últimas quatro temporadas;
  4. Lionel Messi, craque do Barcelona e maior vencedor do prêmio de melhor jogador do mundo pela FIFA;
  5. Nick e Nate Diaz, lutadores e estrelas do UFC;
  6. Serena e Venus Williams, tenistas supercampeãs e donas de quatro ouros olímpicos cada.

E o que acontece no corpo quando se para de comer carne?

Em uma semana:

  • Melhor funcionamento do trânsito intestinal;
  • Os níveis de vitamina B12 exigem atenção constante, mas podem vir a ser suplementados com a devida orientação de profissionais, caso necessário;
  • Proteínas não vão faltar caso a pessoa inclua arroz e feijão nas principais refeições, junto com o consumo de sementes, tofu e cogumelos

Segundo Yago, após os primeiros dias sem consumir carnes, o organismo já começa a sofrer algumas mudanças, mas elas ainda são pequenas. O intestino é quem costuma dar os primeiros sinais de mudança no funcionamento do corpo. Ele ainda destaca a importância de estar atento aos níveis de vitamina B12, nutriente majoritariamente oriundo do consumo da carne, mas aponta isto como uma recomendação geral e não exclusiva de veganos e vegetarianos.

– Em uma semana, as mudanças são pequenas, mas já existem. A alteração da flora intestinal pode mudar já nos primeiros dias após a interrupção da ingestão de carne e aumento do consumo de fibras, melhorando inclusive o trânsito intestinal. É muito comum associarmos o parar de comer carne com carência de vitamina B12, visto que essa é a principal fonte de B12, mas o que vejo com meus pacientes no consultório é que mesmo os que consomem carne apresentam baixa deste nutriente da mesma forma. Logo, a vitamina B12 deve ser sempre dosada em exames de rotina e, caso necessária, deve ser feita a suplementação.

Outro nutriente que gera bastante receio quando as pessoas param de comer carne são as proteínas. Luna, entretanto, explica que apesar da crença popular, não são os alimentos animais os responsáveis pelo maior consumo deste nutriente no Brasil, mas sim dois alimentos bem familiares tanto nas dietas onívoras quanto nas veganas e vegetarianas: o arroz e o feijão.

– No Brasil, a principal fonte proteica da alimentação é derivada da ingestão de arroz e feijão. Um cereal e uma leguminosa, que, juntos, são fundamentais para fornecer os nove aminoácidos essenciais, que não conseguimos sintetizar em nosso próprio organismo e necessitam ser consumidos através da alimentação. Basta inserir cereais com leguminosas nas refeições principais (almoço e jantar), além de incluir sementes em geral, tofu e cogumelos, que podem ser consumidos sozinhos ou em preparações.

Em um mês:

  • Melhoras na microbiota intestinal, com aumento de bactérias boas que têm impacto direto da saúde e da imunidade;
  • Reduções nos níveis de colesterol e triglicerídeos, diminuindo também o risco de doenças cardiovasculares;
  • Melhores índices de vasodilatação no sistema cardiovascular, levando a um menor risco de infartos e derrames;
  • Tendência maior à perda de peso e à redução do Índice de Massa Corporal (IMC);
  • Melhora no humor, na disposição e no desempenho na atividade física, gerados por maior sensibilidade à insulina.

Yago destaca que, após o primeiro mês sem o consumo de carne, o corpo começa a observar alterações maiores, que podem incluir reduções nos níveis de colesterol, perda de peso e maior sensibilidade à insulina. A combinação destes fatores tende a gerar um aumento na qualidade de vida, com melhoras no humor, na disposição e até na performance esportivas.

– Em um mês, as coisas já começam a mudar de forma mais robusta. O padrão lipídico (colesterol e triglicerídeos) pode começar a cair, sobretudo o LDL (colesterol ruim). Um estudo de 2019 da Associação Europeia de Estudos para Diabetes (EASD) testou o efeito da alimentação de origem vegetal na composição da microbiota intestinal, no peso corporal, na composição física e na sensibilidade à insulina durante 16 semanas. No grupo vegano, foi observado um aumento de uma bactéria chama F. Prausnitzii. Já se sabe que pacientes com diabetes têm contagens mais baixas destas bactérias e isso tem sido associado à resistência insulínica e à inflamação. O aumento desta quantidade, observado no estudo, tem relação com a perda de peso e o aumento da sensibilidade à insulina. Isto nos leva a perceber uma relação direta da dieta vegetal com a melhora da disposição, melhora do humor e maior desempenho na atividade física – explica o médico.

Melhoras no humor, disposição e performance nos treinos podem ser observados após o primeiro mês da dieta sem carne — Foto: Shutterstock

Melhoras no humor, disposição e performance nos treinos podem ser observados após o primeiro mês da dieta sem carne — Foto: Shutterstock

Além do menor risco de doenças gerado pela redução dos níveis do LDL, Luna aponta também que impactos sobre o coração e o aparelho circulatório costumam ser positivos após a adoção de uma dieta vegetariana. O processo de digestão, sobretudo das carnes vermelhas, gera substâncias que aumentam o risco de problemas do sistema cardiovascular.

– Estudos demonstram que vegetarianos apresentam uma resposta à vasodilatação melhor que a dos onívoros, sugerindo maior integridade endotelial, um dos indicadores da saúde vascular. Ao buscar entender os impactos do consumo da carne vermelha, descobriu-se que as bactérias intestinais produzem um composto chamado N-óxido de Trimetilamina (TMAO) quando digerem colina, lecitina e carnitina (substâncias em abundância em produtos de origem animal), e quando há altos níveis de TMAO a circular no corpo, existe uma elevada probabilidade de futuros ataques cardíacos e derrames – ressalta Yago.

Em um ano

  • Redução da aparição e da evolução de doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs), como diabetes, hipertensão, cânceres e doenças neurodegenerativas;
  • Melhoria dos estados antioxidante e anti-inflamatório, ajudando diretamente o sistema imunológico e à recuperação do corpo após o exercício;
  • Melhoras estéticas como pele mais hidratada e bronzeada e menores sinais de envelhecimento;
  • Alguns nutrientes podem exigir maior atenção e acompanhamentos específicos, como vitamina B12, iodo, vitamina D, cálcio, zinco e ferro, sobretudo para atletas. Em alguns casos, pode ser necessária a suplementação.

Ao completar o primeiro aniversário sem o consumo da carne, o organismo já se transformou como um todo e novas mudanças podem ser observadas, inclusive melhoras estéticas. Os antioxidantes e as fibras provenientes da alimentação rica em alimentos vegetais e frutas frescas têm ação anti-inflamatória, e juntamente com o adequado consumo de água podem auxiliar no menor aparecimento de sinais de envelhecimento, hidratando a pele, preenchendo marcas de expressão, além de resgatar o brilho natural. Este momento, contudo, também exige maior atenção para os níveis de alguns nutrientes, que podem ter tido seu consumo afetado neste período. Caso apresentem deficiência, possuem impactos negativos no sistema nervoso e também estão relacionados à oxigenação do sangue e ao bom funcionamento dos músculos, fundamentais para o desempenho esportivo. O indicado é que os indivíduos, principalmente os que forem atletas esportes com maior impacto, busquem acompanhamento profissional para adequar a dieta às eventuais necessidades e deficiências de seu próprio organismo.

– Um ano após iniciar uma dieta vegana, o organismo é remodelado. A pele fica mais hidratada e com um bronzeado mais bonito, por conta do aumento do consumo de betacaroteno (presente em vegetais como cenoura, abóbora e beterraba). Por outro lado, isso requer alguns cuidados. Os nutrientes considerados potencialmente críticos incluem vitamina B12, iodo, vitamina D, cálcio, zinco e ferro. Os veganos são particularmente propensos à suplementação desses minerais que são de origem animal. A não-suplementação desses nutrientes podem desencadear deficiência cognitiva, diminuição da memória, câimbras e anemia – explica Yago.

– Assim como qualquer outra dieta desequilibrada, principalmente em grupos com demanda nutricional aumentada, o acompanhamento nutricional é indispensável. Dependendo da necessidade proteica, os atletas vegetarianos e veganos, assim como os onívoros, podem fazer suplementação através de proteínas em pó, como por exemplo proteínas plant based com perfil de aminoácidos tão bom quanto o de um whey protein. Existe também a opção de suplementação apenas dos aminoácidos essenciais. A creatina também é bastante utilizada para favorecer o ganho de força e em esportes onde existem muitos movimentos de potência e explosão, e através de suplementos, veganos e vegetarianos conseguem consumi-la – Luna completa.

Em dez anos

  • Aumento no consumo de nutrientes como fibras, vitaminas e mineirais;
  • Maior regulação dos níveis de serotonina, que ajudam no sono, humor e apetite;
  • Menores índices de acometimento por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como cânceres, diabetes, doenças cardiovasculares e outras doenças relacionadas ao envelhecimento;
  • Manutenção das melhorias relacionadas ao funcionamento intestinal, sistema cardiovascular, humor e disposição;
  • Melhora na performance esportiva;
  • Tendência a menores valores do IMC;
  • Manutenção dos benefícios estéticos adquiridos como maior bronzeamento, hidratação da pele e prevenção da acne;
  • Caso a substituição da proteína animal não seja feita feita de maneira adequada, o indivíduo pode apresentar maiores riscos de fraturas ósseas, hemorragias cerebrais e problemas de memória. Por isso, o acompanhamento nutricional é fundamental, para garantir o equilíbrio na dieta.

 

Dietas veganas e vegetarianas estão relacionadas a redução dos riscos de infarto e doenças cardiovasculares — Foto: Pexels/Pixabay

Dietas veganas e vegetarianas estão relacionadas a redução dos riscos de infarto e doenças cardiovasculares — Foto: Pexels/Pixabay

No longo prazo, a adoção de uma dieta sem o consumo de carne auxilia na redução dos riscos para uma série de doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs), entre outros benefícios estéticos e de saúde. Por outro lado, a manutenção dos cuidados para o consumo adequado dos nutrientes e, sobretudo, a substituição dos que são oriundos da carne se faz extremamente necessária, podendo também exigir adequações com o passar do tempo.

– Estudos mostram que adultos que seguem uma dieta sem o consumo de proteína animal têm risco reduzido para diabetes tipo 2, doença cardíaca isquêmica e cânceres combinados. Porém, sem a reposição adequada de nutrientes, os candidatos podem apresentar um risco maior para fraturas ósseas, hemorragias cerebrais e deficiência da memória – explica Yago.

– Com a retirada da carne e derivados consequentemente tendemos a explorar mais os vegetais e, com isso, o consumo de fibras, fitoquímicos, vitaminas e minerais aumenta consideravelmente. As fibras, como já foi citado, ajudam no equilíbrio da microbiota intestinal, que leva também à produção adequada de serotonina, produzida majoritariamente via intestinal, auxiliando na regulação do humor, apetite, sono, memória, além de mediar funções fisiológicas importantes, como os movimentos peristálticos, integridade cardiovascular e manutenção da circulação sanguínea – destaca Luna. – Sempre reforço que uma alimentação vegetariana ou vegana equilibrada e bem planejada não apresenta risco de deficiências, mas, que assim como a dieta onívora, também pode precisar de ajustes conforme o objetivo pessoal de cada pessoa. Basta um bom acompanhamento nutricional para adquirir todos os benefícios dessa escolha tão saudável e sustentável para si próprio e para todos aqueles que estão à sua volta.

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