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Agronegócios

O Leite em 2025 – Por Paulo do Carmo Martins


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Paulo do Carmo Martins – Diretor da Embrapa Gado e Leite da EMBRAPA Juiz de fora – Minas Gerais

P U B L I C I D A D E

 

Estamos em maio de 2025. Há exatamente cinco anos passamos pelo momento mais avassalador da mais trágica experiência de nossa geração, que mudou para sempre as nossas vidas. Uma experiência muito sofrida. Que parecia não ter fim. Que levou vidas de entes queridos. Que destruiu negócios de entes queridos. Que nos tornou reclusos, prisioneiros do medo, por seis meses, e que ainda nos envolve em traumas até hoje. Que nos fez repensar o sentido da vida.

Já não sou o mesmo. Estou mais humano. Já não faço coisas porque meus pais faziam, nem porque é moda. Sumiram aqueles que se deixavam levar pelo ódio barato e pelas palavras insensíveis e insensatas. Desapareceram os que viviam no mundo do “nós contra eles”. Do privado versus o público. Dos meus valores contra os seus.

Passados cinco anos, em cada atitude, em cada palavra, penso nas consequências. Busco pensar e sentir. Razão e emoção, presentes em tudo. Por isso, estou mais humano! Viver é uma experiência única e complexa. Precisou vir o Coronavirus, para minha geração descobrir a complexidade de ser simples. Precisou o Coronavirus, para nós aprendermos a ver tudo de modo multifacetado, sem a simplificação dualista: céu ou inferno, certo ou errado, amigo ou inimigo.

Neste quinto aniversário da peste, eu aprendi que sentir vai além do pensar. Agora, a vaca é o centro da cadeia produtiva. Nunca pensei que seria assim. No início dos anos oitenta, quando eu comecei a estudar o mundo do leite, o centro de tudo era o preço do leite. Nos anos noventa, o centro era aumentar a quantidade produzida. No início do milênio, o conflito de quem se apropria mais da renda gerada no processo de produção. Entre 2010 e 2020, o foco foi a qualidade do leite. Agora, mudou o tal do mindset, ou seja, mudou a maneira de encarar o mundo. Agora, pensar é parte do sentir.

O tsunami econômico gerado pelo Coronavirus só deixou em pé quem produz leite com carinho. Qualidade é consequência. Não importa se é pequeno ou grande. O que importa é o produto final. Os sensores estão em tudo e em todos. A conectividade está no ar. E, confesso, até que foi fácil deixar de usar o extinto celular. Por muitos anos, ele foi meu amigo de cabeceira. Mas, como tudo na vida, sempre tem um dia que uma relação chega ao fim. Foi eterno enquanto durou. A tecnologia, mais do que vestível, já é parte do corpo nosso e das vacas. Então, qual a utilidade do celular? Deixamos para trás a internet das coisas, para usufruir da internet que interage e une, a um só tempo, os homens, os animais e as máquinas inteligentes.

Vaca é ser sensível. Precisa de carinho para produzir gordura, que protege nossa vida. Por isso, a gordura agora é a parte mais valiosa do leite. Vaca precisa ser bem alimentada, para produzir um leite que é remédio saboroso. Precisa dormir bem, viver com conforto. Afinal, mais do que nutrientes, ela nos dá nutracêuticos, além da santa gordura. E, ainda, tem o que ela excreta, que é orgânico de valor. Antes da peste, chamávamos de dejetos. O que dizíamos que era problema em 2020, hoje é solução para a agricultura. E aprendemos a fazer uso muito, mas muito mais racional da água. Entendemos que este bem é escasso, embora aparentemente abundante.

Hoje, 2025, cinco anos após o Coronavirus, está claro que produzir leite em clima frio e temperado tem efeitos ambientais muito diferentes que produzir no Brasil. É certo que nos países de clima temperado tem aqueles que produzem leite com menor agressão ao clima, como a Nova Zelândia, Irlanda, um pouco da Austrália, Uruguai e Argentina. Este último, um país cada vez menos importante na agricultura. Nos EUA, o impacto também é menor, pois lá produzem milho e soja, que equilibra um pouco o estrago da emissão de gases pelas vacas. No restante dos países, o estrago é grande. Afinal, produzem leite baseado na importação de soja e milho proveniente de produção majoritariamente americana e do Mercosul, remoçado após a onda do Coronavirus.

Já produzir leite no Brasil, a Embrapa acaba de provar que o impacto ambiental é quase neutro. Seus pesquisadores mediram o quanto estes animais produzem de gases de efeito estufa nos trópicos, e compararam com a produção de gases pelos animais em ambiente de clima temperado e frio. A Embrapa descobriu que é bem menos aqui. Também aqui está disseminado o processo de ILPF, ou seja, de integração da lavoura, com a pecuária e a floresta, além da produção de pasto, somado às áreas de preservação e conservação. Se não bastasse, a Embrapa mostra ao mundo que é possível produzir leite a partir de vacas e pessoas felizes. Considerando tudo isso, sabemos em 2025 que produzir leite e fazer agricultura no Brasil é muito menos impactante ao meio ambiente que nas sedes das ONGS ambientalistas, que, diga-se de passagem, nenhuma ajuda deram àqueles que sofreram durante a terrível devastação gerada pelo Coronavirus. Durante toda a crise, ficaram quietinhas…

Foi preciso vir o Coronavirus para eu perceber que há muito sentido na adoração indiana às vacas. Não me refiro ao lado religioso. Mas, à maneira sensível e respeitosa como a concebem. Vaca é ser vivo. E todo ser vivo é energia. E a energia que dedicamos a ela, retorna em dobro, de modo espontâneo, na forma de leite que nutre e garante nossa existência, e também na forma de satisfação pessoal. Vaca me acalma. Me coloca em contato com a energia vital do universo.

Há cinco anos, num evento na Embrapa Gado de Leite, eu ouvi as histórias de vida das produtoras Maria Thereza Rezende, a Maria Antonieta Guazzeli e a Jaqueline Ceretta. Foi um dia emocionante, que me lembro até hoje. Neste dia, também lá esteve a Júlia Horta, Miss Brasil daquele ano. Pois, eu ouvi ela dizer que somente passou a ganhar títulos quando entendeu quem ela era, que isso a fez de maior solidez e conteúdo. Ao se autovalorizar, intuiu que a beleza vem de dentro para fora.

Pois, é o que estou sentindo neste abril de 2025. Os produtores começam a se valorizar, a termais solidez e conteúdo, a entender que fazem parte de uma cadeia produtiva e que cada elo tem seu papel. Ninguém fica mais criando polêmica fútil, por falta de conhecimento ou busca de valorização pessoal, sendo técnico, dirigente ou produtor. Os amadores, os oportunistas, os caroneiros de ocasião, produtores e processadores, foram engolidos pelo novo mundo surgido pós Coronavirus. É claro que a limpeza não foi completa. Ainda temos atores que pouco ajudam o setor. Mas, neste ano de 2025, começamos a ter coordenação de cadeia produtiva!

A Região Sul realmente é a nova nação do leite, o único lugar do Brasil que um menino de 18 anos, quando fala que é produtor de leite, arruma namorada com facilidade. Lá, valorizam quem é produtor. O restante do Brasil também começa a mudar. Afinal, os jovens estão percebendo que a propriedade de leite mudou muito. Com as novas tecnologias, fazer a gestão é algo para jovens, pois uma fazenda hoje cabe no computador. E também, os jovens entenderam que não faz sentido deixar um patrimônio disponível para ir para grandes centros e ser mal remunerado e viver pior. O Coronavirus aproximou gerações dentro das famílias.

Ano que vem, 2026, está programado ter o Censo Agropecuário. O IBGE disse que eram cerca de 650 mil produtores vendendo leite em 2016. Ano que vem, creio que teremos uma redução drástica. Deveremos cair para 420 mil. Desses, em condições sustentáveis, 170 mil. Os demais, em situação vulneráveis, são candidatos fortes a deixarem a atividade.
Hoje, voltei no tempo. Em abril de 2016, junto com Wagner Arbex, começamos a construir o Leite 4.0, mostrando para os que viviam no mundo da Tecnologia de Informação e Comunicação o que era o mundo do leite. Em quatro anos, evoluímos muito. Mas, quando eu achava que estava entendendo as transformações, veio o tsunami Coronavirus, que dividiu a história do leite brasileiro em duas etapas: AC e DC. Antes do Coronavirus e Depois do Coronavirus. Que saibamos viver no DC, aprendendo as lições do AC.

 

Paulo do Carmo Martins –  Economista. Doutor em economia pela Esalq/USP. Pesquisador e chefe-geral da Embrapa Gado de Leite.

 

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