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O adeus a Euro Tourinho, a lenda de Rondônia – Por Júlio Olivar


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Euro Tourinho foi longevo com dignidade. Falecido em Porto Velho nesta segunda-feira, 25, aos 97 anos, tinha no currículo a tarimba de quem escrevia nuances da história da qual ele foi testemunha ocular, com vivo interesse, bem próprio dos vocacionadas, como eram os clássicos e românticos jornalistas de outrora forjados no campo de batalhas.

P U B L I C I D A D E

O comunicador foi a personificação de Rondônia, sem exageros. Ele tinha na ponta da língua dados estatísticos, sociológicos e antropológicos, muitas vezes permeados por prismas bem conservadores — como é, aliás, o Estado —, mas sempre respeitando o contraditório, de acordo com a boa cartilha jornalística: toda questão tem dois lados.

Dirigiu o jornal “Alto Madeira” até 2017, e não era algo simbólico a sua atuação. Ele trabalhava de fato na redação e dava o tom na linha editorial do diário.

O veículo saiu de cena em alto estilo e com direito a exposição e vernissage depois de comemorar 100 anos de circulação ininterrupta. Tive a honra — ao lado de tantos outros — de escrever um artigo na edição derradeira, que ficou para a história.

Em um passeio que fiz com o “seu” Euro em 2016, no largo da Capela de Santo Antônio (edificação de 1913), ele apontou-me os arruamentos da cidade que ali existiu. Em dado momento, disse-me: “Meu desejo é apenas ver o Alto Madeira completar cem anos. Aí eu vou em paz”. Maktub!

Para registrar a odisseia do matutino, foi lançado o livro “Cem Anos do Alto Madeira (Paixão 100 Limites)”, do jornalista Euro Tourinho e Silvio Persivo; o evento teve a presença de Almino Afonso, ex-ministro do Trabalho de João Goulart, que veio de São Paulo para abraçar o amigo de juventude.

O acervo do AM (fundado pelo legendário Joaquim Tanajura, discípulo de Rondon) está no Centro de Documentação Histórica de Rondônia e também foi todo digitalizado pelo fotógrafo Rosinaldo Machado, grande amigo de Euro; foram 28.347 edições. Trata-se do registro mais fidedigno que se tem do cotidiano rondoniense.

Euro Tourinho na redação do jornal onde trabalha (Foto: Ísis Capistrano/ G1)

Euro Tourinho na redação do jornal onde trabalha (Foto: Ísis Capistrano/ G1)

Ao assumir o AM, Euro colocou-se em contato com o maior mito do jornalismo brasileiro em todos os tempos, Assis Chateaubriand, “O Rei do Brasil”, da empresa Diários Associados à qual o jornal editado em Porto Velho pertencia.

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Entrevistou vários personagens históricos do País, a exemplo do presidente Juscelino Kubitscheck quando de sua vinda a Vilhena para inaugurar a BR-029(atual 364), em 1960, que permitiu a onda migratória que culminou na criação da maioria dos municípios rondonienses.

Com seu irmão Luiz Tourinho, falecido há dois anos, logo após as comemorações da data magna do jornal, Euro encampou muitas campanhas cívicas e desenvolvimentistas.

Muito antes do jornalismo, Euro já vivenciava a rica história regional, da qual ele foi escriba e personagem. Morou no garimpo Minas Novas, pertencente a seu pai Homero que tinha à disposição 400 empregados, próximo ao Jacy-Paraná; e viveu também na sede do extinto município de Santo Antônio do Rio Madeira (MT) — cuja área representa hoje 89% de Rondônia. O restante era, até 1943, Porto Velho, que integrava o estado do Amazonas.

Casal diz que era "festeiro" (Foto: Euro Tourinho/Arquivo Pessoal)

Euro Tourinho em baile de época (Foto: Euro Tourinho/Arquivo Pessoal)

Euro tinha 22 anos de idade quando presenciou parte do seu estado natal, Mato Grosso, virar o gigante Território Federal do Guaporé, epílogo histórico desencadeado por Getúlio Vargas nos tempos da Segunda Guerra; na mesma época, a presença de milhares de soldados da borracha mudou para sempre o modus vivendi amazônico.

Curiosamente, o quase centenário Euro Tourinho viveu a infância na terra em que — no dizer de Osvaldo Cruz — era “a cidade sem crianças” porque muitas morriam vítimas das “febres dos sertões”.

Euro brincou na década de 1930 ao longo dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, provou da fartura de frutas, peixes e caças da Amazônia; da época, lembrava-se da chegada do primeiro rádio a Porto Velho, emocionando os caboclos que se aglomeravam na praça General Rondon para ouvir as musicas chiadas no aparelho do delegado de polícia.

Passou por todas as tecnologias — do telégrafo a internet — sem abrir mão da sua velha Olivetti, que ele usou até o fim para escrever seus artigos.

Euro privou da amizade de todos os “categas” (como eram chamados os homens importantes dos negócios e da política), sem perder sua essência humilde, valorizando a cultura regional não apenas pela razão, mas como partícipe de tudo que Rondônia produz nesta área: literatura, música, carnaval, folclore, artes plásticas… Frequentava bailes, jantares, saraus, exposições e, agora por último era assíduo no barzinho “Buraco do Candiru”, praticamente uma confraria onde boa música, papos agradáveis e drinks de primeira nunca faltaram. Sempre estava presente com seu alto astral, todo estiloso com roupas coloridas que ele usava em momentos de lazer.

O decano da comunicação gostava da vida cultural, mas não chegava a ser um boêmio. Ele contava seus segredos para viver bem e sem “ais”: dormir cedo e comer pouco.

Aprendeu com sua disciplinada esposa, a contadora Maria do Carmo Kang — filha de um chinês com uma amazonense. Euro e Maria eram muito religiosos, católicos; ele ficou viúvo há menos de três anos, depois de 74 anos de casados; tiveram nove filhos.

A vida de Euro não cabe neste arremedo de artigo feito às pressas e “no susto” por conta da minha emoção as saber de sua morte. Eram muitas histórias que ele contava com sua calma e absoluto prazer em compartilhar conhecimento e sabedoria.

O querido jornalista e cidadão deixou de viver fisicamente neste 2019 de tantas perdas (arcebispo Dom Moacyr Grechi, escritor Abnael Machado e ex-senador Odacir Soares) para ser ratificado como a lenda que, no fundo, ele sempre foi. Mesmo convivendo de perto com a realidade factual, tantas vezes rude, da Terra de Rondon, Euro Tourinho foi pura poesia no jeito de levar a vida, com muitos gestos de gentileza e fraternidade.

Siga em paz!

Júlio Olivar

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