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Imigrantes em RO: cerca de mil venezuelanos ‘passaram’ pelo estado em 2 anos


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Em meio ao processo de interiorização dos venezuelanos pelo Brasil por conta da grave crise econômica e política que ainda afeta o país, cerca de mil deles passaram por Rondônia em um intervalo de dois anos. Os dados foram levantados pelo G1 com entidades e organizações que respaldam os imigrantes na região.

P U B L I C I D A D E

O balanço não separa quantos já foram empregados ou abriram empresas, que conseguiram moradia ou seguiram viagem para outros estados e países. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, confirmou não ter dados específicos voltados ao estado.

Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) apontou que cerca de cinco mil venezuelanos deixam o país de origem por dia. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o quantitativo pode chegar a 5 milhões apenas em 2019.

Segundo o professor de sociologia do Instituto Federal de Rondônia (Ifro), Geraldo Cotinguiba, essa é a maior emigração da história de um país da América do Sul e uma das três maiores do mundo no século 21. Também reiterou que essa é a primeira vez que ocorre uma migração venezuelana.

A reportagem consultou três organizações não governamentais que dão suporte aos venezuelanos em Rondônia: Cáritas Brasileira, Pastoral do Imigrante e Fraternidade Sem Fronteiras. Em âmbito municipal, a Secretaria de Assistência Social e Família (Semasf) pontuou que tem sete unidades de acolhimento institucional, sendo duas pessoas em situação de rua e trânsito, e que seguem em funcionamento.

De acordo com a Cáritas em Porto Velho, entre agosto de 2018 e maio de 2019, por exemplo, quase 600 venezuelanos que passaram pela triagem em Roraima – eles fazem parte do programa Pana, específico de interiorização da Cáritas – foram atendidos na cidade.

Somente em janeiro deste ano, 105 venezuelanos chegaram na capital Porto Velho. Desses, 70 já conseguiram deixar as casas da organização, que são 17 na cidade, por “autonomia financeira”.

A chegada mais recentes de venezuelanos que contaram com o suporte da Cáritas em Rondônia ocorreu no início da tarde do dia 11 de julho. Ao todo, 36 desembarcaram em Porto Velho. Com o pouso de mais venezuelanos, a entidade na capital possui, agora, 71 acolhidos.

Além de Rondônia e Roraima, estado de fronteira com o país, os pontos de recebimento desse público pela organização humanitária estão divididos entre Brasília, São Paulo, Curitiba, Santa Catarina e Recife.

Os números reunidos pela reportagem também incluem um mapeamento feito em junho por um grupo de venezuelanos que vive no município. Eliomar Astudillo, venezuelano especialista em direitos humanos e responsável pelo levantamento, contabilizou que, em uma média de dois anos, a capital recebeu 126 famílias do país.

“Cada família tem entre quatro a cinco integrantes. Logo, são mais de 500 pessoas venezuelanas em Porto Velho”, complementou.

Cáritas, organização humanitária da Igreja Católica, é uma das que ajudam os imigrantes em Rondônia.  — Foto: Patrícia Grenhas/Cáritas Brasileira Articulação Noroeste

Cáritas, organização humanitária da Igreja Católica, é uma das que ajudam os imigrantes em Rondônia. — Foto: Patrícia Grenhas/Cáritas Brasileira Articulação Noroeste

Valeria Terra, coordenadora da Fraternidade Sem Fronteiras em Rondônia, revelou que 11 venezuelanos contam com a ajuda da entidade no estado. Desses, sete são recém chegados. “Temos duas famílias conosco no momento. Mas nós já chegamos a fazer a interiorização de 29 venezuelanos para outros estados e três países: Argentina, Chile e Colômbia”, explicou.

O professor Geraldo Cotinguiba, que também coordena projetos voltados a esse público junto com a professora de linguística Marília Pimentel Cotinguiba, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), disse que municípios como Cacoal e Ji-Paraná contam com grupos de venezuelanos já residentes.

“É difícil falar em números exatos, pois se trata de um fluxo contínuo de entrada e saída e não há um centro de referência ou triagem. Podemos falar em dados aproximados, o que seria cerca de mil ou mais”, confirmou.

“Têm muitos migrantes que passam por aqui e se instalam em Ji-Paraná. Porque lá na cidade tem um grupo que se empenha no sentido que acolher, inserir no mercado de trabalho, conseguir escola. No município já tem entre 70, 80 imigrantes”, explicou Ana Maria Delazeri, do Serviço Pastoral do Migrante.

Para Iara Alex, diretora da Cáritas em Porto Velho, um dos motivos pela incerteza no quantitativo de venezuelanos em Rondônia é o fato do estado ser usado como um “corredor” pelo os que deixam as cidades de Pacaraima e de Boa Vista, em Roraima.

“Vem, entra, está de passagem, ou fica aqui ou desce para o Sul, ou vai para o Chile, ou vai para a Argentina, para o Peru, São Paulo. Há muitas possibilidades. Rondônia é uma espécie de corredor”, reiterou Iara.

Mas, mesmo sendo usada como passagem, estima-se que Rondônia já abrigou, em dois anos, quase o triplo do que se foi contabilizado. “Aumentou muito. Triplicou, digamos. Tanto é que no ano passado não se via tantos imigrantes nas esquinas, nos sinais. É visível”, explicou.

Pedidos de refúgio

Nesses dois anos, 598 imigrantes foram até a Polícia Federal (PF) de Rondônia e entraram com pedido de refúgio no território brasileiro. A quantidade é mais expressiva entre venezuelanos, que representam 46% (277) do valor total.

Ainda com base na conta da corporação, cubanos e haitianos estão na sequência entre a maioria das solicitações do período, com 225 e 65, respectivamente (confira gráfico abaixo). Somente nos sete primeiros dias de julho deste ano, quase 100 venezuelanos procuraram a PF para participar do processo (veja como entrar com pedido de refúgio aqui).

“Aqui pelo sistema temos ao menos uma média das entradas. Isso porque há uma rotatividade muito grande. Nesse caso, registramos e enviamos para Brasília, onde o restante do processo acontece”, complementou Giordano Araújo, agente da Polícia Federal.

Camila Pinheiro Batista, que trabalha na corporação e agora é formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Rondônia (Unir), baseou seu trabalho de conclusão no caso.

Para Camila Batista, o pedido de refúgio é uma alternativa.  — Foto: Patrícia Grenhas/Cáritas Brasileira Articulação Noroeste

Para Camila Batista, o pedido de refúgio é uma alternativa. — Foto: Patrícia Grenhas/Cáritas Brasileira Articulação Noroeste

Após coletar o biênio 2017/2018 de requerimentos, que é feito atualmente por meio eletrônico, ela concluiu que o número de solicitantes venezuelanos cresceu expressivamente em 2018, configurando 85,28% do total do estudo junto aos cubanos.

“2017 foram mais cubanos, a grande maioria homens. Já 2018 foram mais venezuelanos. No ano passado também cresceu cerca de 50% o número de pedido entre mulheres. Talvez mais pelo parentesco. Entraram muitas mulheres, mulheres com crianças também”, reforçou.

Para Camila, o pedido de refúgio é visto como uma alternativa, já que o processo demora cerca de um ano para ser finalizado. Ela percebeu que os imigrantes faziam as solicitações para adquirir um protocolo que os permitissem conseguir emprego e, posteriormente, uma passagem para seguir em frente ou retornar ao país de origem por algum motivo particular.

“Os cubanos alegaram falta de perspectiva por conta do regime diferenciado, dificuldade econômica. Os venezuelanos em si é pela crise. Muitos deles vem sem dinheiro. Porto Velho é o máximo de lugar que conseguem chegar”, complementou Camila.

Criação de políticas públicas: a solução?

A instabilidade no controle de imigrantes faz com que ONGs e pesquisadores insistam em políticas públicas dedicadas à migração. Conforme Geraldo Cotinguiba, tal ausência faz com que não seja possível um controle das informações do fluxo migratório dentro de Rondônia.

Com base nisso, uma audiência pública realizada no dia 11 de julho debateu o assunto em Porto Velho. Entidades, organizações governamentais e não-governamentais e imigrantes estiveram na reunião com objetivo de dar o primeiro passo dedicado em ajudar os refugiados que chegam a todo momento na cidade.

“É praticamente impossível pensarmos em controle das informações sem uma política pública voltada a esse público. Quando falamos nesse controle não queremos dizer controlar a vida dos indivíduos, mas as informações sobre quem entra, quem saiu, quem ficou, enfim, traçar um perfil sociológico”, disse.

“Sem essa dedicação, não tem como nem mesmo pensar em uma política pública. É apagar incêndio com mangueira de jardim”, mencionou Cotinguiba.

Para a professora Marília Pimentel Cotinguiba, as dificuldades ocorrem dos dois lados, tanto dos imigrantes quanto da sociedade. “A barreira linguística é uma das principais. O imigrante precisa se comunicar em português, o empresariado precisa de profissionais, mas a comunicação às vezes é o que dificulta”, reforçou.

Conforme Iara Alex, da Cáritas, a criação de políticas públicas é mais essencial para a região, já que faz parte de uma área de fronteira. “O processo migratório é rotina aqui. Nós já estamos há três anos com o fluxo de venezuelanos. O abrigo é sempre insuficiente. Sempre está em uma situação caótica”.

Segundo Cáritas, Rondônia é como uma "corredor de passagem".  — Foto: Alan Chaves/G1 RR/Arquivo

Segundo Cáritas, Rondônia é como uma “corredor de passagem”. — Foto: Alan Chaves/G1 RR/Arquivo

Camila Batista acredita, na verdade, que não seja possível frear ou controlar o fluxo migratório em Rondônia, isso porque o estado ainda é visto como um “corredor de passagem”.

Para ela, por conta do perfil da região, o mais coerente seria criar assistências jurídicas e humanitárias, como no caso da Cáritas e de outras organizações, que objetivem instruir essas pessoas legalmente.

“O mais complicado é ver como regularizar essa pessoa aqui dentro. Uma política pública eficaz e duradoura para ficar aqui. Isso porque tem a exploração do trabalho, os tratados de cooperação internacional. O Brasil é aberto, é visto como amistoso. Ainda é precoce”, reforçou.

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