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Fome: número de pessoas que sofrem com insegurança alimentar grave sobe 85%


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A rotina de ter que negar alimento a um filho é dura e angustiante. Diariamente, milhões de brasileiros lutam contra a fome, que vem crescendo e atingindo mais famílias. O fantasma da miséria passa, a cada dia, a assombrar mais regiões. Com a voz embargada, Vânia Santos, de 38 anos, relata o drama de nem sempre ter o que colocar na mesa para os três filhos. “A insegurança é muito grande. O sentimento de não ter o que comer na mesa é grande e dói demais. Eu já cheguei até a chorar quando a gente vê o filho da gente pedindo o que comer e tem hora que não tem. É difícil. Não é fácil, não”, conta.

P U B L I C I D A D E

Em meio à pandemia da covid-19, o Brasil se viu frente a frente com outra epidemia: a da fome. Nos últimos dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia.

Hoje, mais da metade da população brasileira está nessa situação, nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave. Como no caso de Vânia, a insegurança alimentar grave afeta 9% da população. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), como parte do projeto VigiSAN.

A fome no Brasil é um problema histórico, mas houve um momento em que o país chegou a efetivamente combatê-la. Entre 2004 e 2013, os resultados da estratégia Fome Zero aliados a políticas públicas de combate à pobreza e à miséria se tornaram visíveis. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2004, 2009 e 2013, revelou uma significativa redução da insegurança alimentar na população brasileira. Em 2013, a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2% — o nível mais baixo até então.

Isso fez com que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura finalmente excluísse o Brasil do Mapa da Fome que divulgava periodicamente. Agora, esse sucesso brasileiro na garantia do direito humano à alimentação sumiu. Os números atuais são mais do que o dobro dos observados em 2009. O país voltou ao Mapa da Fome.

Roberto Bocaccio, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que as políticas públicas falhas e a recessão econômica do país geram um deslancho da desigualdade social e, consequentemente, o aumento da pobreza. “É evidente que há uma unanimidade na ideia de que o Brasil precisa voltar a crescer. Precisamos crescer mais ou pelo menos acompanhar o ritmo de crescimento da economia mundial. O nosso crescimento tem sido baixo e insuficiente, porque há uma queda geral no nível de renda. A tendência é de que, em um país com um nível concentração de renda e distorções do padrão de renda, essas diferenças se acentuem. Ou seja, os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres ficam cada vez mais pobres”, pontua.

Improviso

A família de Vânia morou por anos em um ocupação em Brasília conhecida como “Cerradão”, na Asa Norte. Ao lado de prédios, igrejas e instituições particulares, dezenas de famílias vivem em barracos feitos de lona e pedaços de madeira. A renda da maioria que vive ali vem da reciclagem de lixo. Carroças se enfileiram em uma garagem improvisada ao lado dos barracos e seus donos compartilham do medo de não conseguir vender a quantidade de material suficiente para pagar uma refeição.

A fome vem acompanhada de muitas outras carências. Cláudio, de 45 anos, e a mulher, Márcia Larissa, de 28 anos, também viveram no Cerradão por anos. Com o dinheiro da reciclagem, o casal de catadores sustenta filhos e alguns parentes. “A pandemia foi bem difícil. A questão de alimentação, roupa, aluguel, tudo ficou mais caro. Tivemos dificuldade para conseguir atendimento no hospital, quem não tem endereço fixo eles ficam mandando ir e voltar”, disse Márcia. “As coisas subiram demais. Tudo muito caro. O arroz está um absurdo. Chegou uma época lá em casa que eu cozinhava o arroz, mas tinha que inteirar com cuscuz, que é mais barato. A gente tinha que comer regradinho, porque o arroz estava muito caro”, complementa.

Já na família de Vânia, o acesso à saúde e a medicações é árduo. “A maior dificuldade que eu estou passando é com a saúde até agora. Sem poder comprar medicamento. O dinheiro não dá pra comprar medicamento. Não dá nem pra fazer as compras do mês”, afirma.

Nesta situação, auxílios governamentais podem mudar a realidade desses brasileiros. Ambas as famílias de Vânia e Márcia dependem do Bolsa Família para conseguir comprar o mínimo em meios a tantas dificuldades. “Todos esses auxílios servem como um grande complemento para muita gente. No início do mês, quando recebe o Bolsa Família e com o dinheiro do nosso trabalho, a gente faz a feira, paga as contas e o dinheiro já acaba. Falta dinheiro para comprar uma fralda para uma criança, um absorvente para uma mulher, a carne, tudo isso que também é essencial”, comenta Márcia.

Estas famílias também receberam o Auxílio Emergencial, no contexto da pandemia, e agora temem o que a falta desse dinheiro poderá causar. O presidente Jair Bolsonaro anunciou mudanças e lançou o Auxílio Brasil, novo benefício proposto para substituir o Bolsa Família. O Auxílio Brasil vai chegar a aproximadamente 10 milhões de pessoas, que são as que já faziam parte do Bolsa Família e também recebiam o Auxílio Emergencial. Esses brasileiros migrarão automaticamente para o novo benefício.

Outros 24 milhões de brasileiros foram automaticamente excluídos e há 5,3 milhões que estão no cadastro único e, mesmo tendo chance de serem chamados, não foram incluídos.”O Auxílio Brasil é uma extrema inconsequência por parte do governo, Há uma incerteza na própria previsibilidade para as famílias. A gente tem recursos insuficientes e que não tem previsibilidade, então, as pessoas não podem nem se programar e ter uma estabilidade”, destaca Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da RBRB.

* Estagiária sob supervisão de Vicente Nunes

Correio Braziliense

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