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Cadastro de famílias que serão afetadas por usina será revisado


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O governo federal tem plano de construir mais uma usina hidrelétrica em Rondônia, dessa vez com uma barragem no rio Ji-Paraná (também conhecido como rio Machado), em Machadinho D’Oeste, na divisa de Rondônia e Amazonas. Para o Ministério Público Federal (MPF), até agora os estudos dos impactos da futura hidrelétrica Tabajara não estão completos.

P U B L I C I D A D E

Se conseguir a emissão da licença prévia ambiental do Ibama, a futura hidrelétrica de Tabajara afetará municípios, unidades de conservação, terras indígenas, comunidades tradicionais, ribeirinhos, beiradeiros, extrativistas e pescadores artesanais.

Duas recomendações já foram feitas com orientações para melhorias nos estudos dos impactos aos indígenas, inclusive a dois grupos de índios isolados, e ao meio ambiente. Uma nova recomendação foi expedida na última semana para que os impactos às populações tradicionais (ribeirinhos, pescadores e trabalhadores rurais) sejam estudados de forma mais ampla e aprofundada.

Na nova recomendação, o MPF orientou o Ibama e o empreendedor a revisarem o cadastramento socioeconômico da população feito pela empresa Polar. A revisão deve considerar que o cadastramento foi unilateral, não levou em conta a tradicionalidade das famílias, não descreveu suas atividades (pesca, extrativismo, agricultura etc) e não teve a participação das comunidades na sua elaboração.

Pela recomendação, o Ibama e o empreendedor devem consultar as comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e outros que moram na região da futura barragem. A orientação é para que os afetados pela hidrelétrica possam ser informados e tenham o direito de opinar sobre o empreendimento e se demanda energética justifica os impactos sociais e ambientais.

Para o MPF, é necessário que o Ibama e a Funai façam o protocolo de consulta como é previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – de forma livre, prévia, informada e de boa fé, e que seja assegurado às comunidades o direito de vetar o empreendimento.

O Ibama e o empreendedor também devem criar dois novos componentes a serem estudados para saber os impactos da barragem – os ‘ribeirinhos’ e ‘pescadores artesanais’. A justificativa é que as comunidades das reservas extrativistas e outros grupos tradicionais não foram contemplados como deveriam ser, com a caracterização de seu modo de vida, de sustento, sua cultura etc.

A recomendação do MPF também foi endereçada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para que se manifeste sobre o empreendimento, pois a barragem afetará projetos de assentamento e projetos agroextrativistas.

Na região onde se pretende instalar a hidrelétrica há 3639 famílias em 10 projetos de assentamento rural e mais de 15 reservas extrativistas. A barragem atingirá 28 comunidades tradicionais, que têm 14479 famílias, totalizando 72395 pessoas.

Laudo pericial

As três recomendações expedidas pela MPF sobre a hidrelétrica de Tabajara basearam-se em vários laudos periciais feitos por peritos do órgão. Os laudos identificaram “inconsistências metodológicas, omissões, falhas, coleta e classificação assistemática de dados, o que induz a erro e a interpretações duvidosas”.

O laudo específico das comunidades tradicionais apontou que elas já vêm sofrendo ações impositivas dos empreendedores e atitudes especulativas de grileiros. Os peritos relatam que da mesma forma como ocorreu nas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho, o processo de negociação com as famílias que serão atingidas pela hidrelétrica de Tabajara não está sendo tratado de forma coletiva, e sim individual, o que enfraquece a mobilização dos atingidos pela futura barragem por melhores condições.

Há relatos de famílias que já estão aceitando propostas de indenizações sem muitos questionamentos sobre os valores por medo de ficarem sem nada. A possibilidade de construção da hidrelétrica também já gerou um novo ciclo de desmatamento na região.

Lobby

O MPF expõe na recomendação que, em processos de licenciamento de usinas hidrelétricas, os povos atingidos pelas barragens têm sido negligenciados em razão da falta de informação, da definição limitada do conceito de atingido, da omissão de especificidades socioeconômicas e culturais e da má aplicação da legislação.

Segundo o órgão, há formação de lobby a favor da construção da usina antes de serem tomadas as decisões sobre a prudência dos projetos e existe forte tendência das empresas de consultoria de produzir relatórios favoráveis ao empreendimento.

A legislação determina que os questionários e cadastramentos sejam feitos por entidades desinteressadas nos empreendimentos, bem como fiscalizados e avaliados de forma imparcial para que sejam considerados confiáveis. Mas, no caso de Tabajara, as pesquisas são feitas por empresas terceirizadas contratadas e pagas pelo empreendedor e são fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma das interessadas na geração de energia elétrica.

Nos volumes do processo de licenciamento da hidrelétrica de Tabajara se encontram notas técnicas de servidores do Ibama que pedem alterações nos parâmetros utilizados no termo de referência e pedem revisões quanto ao desenho amostral e quanto à área de impacto. Os pedidos não foram atendidos pelo Ibama, mas, ainda assim, o órgão ambiental autorizou o empreendedor a fazer aberturas de picadas, captura e coleta de transporte de material biológico.

O termo de referência expedido pelo Ibama é o documento que determina os critérios, metodologias, normas e padrões de elaboração das pesquisas a serem realizadas pelo empreendedor, obrigando que os estudos exponham todas as consequências do empreendimento para o meio ambiente e a vida das pessoas que residem no local.

Em março deste ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se manifestou contrário ao empreendimento da hidrelétrica de Tabajara por ter entendido que a instalação da usina traria impactos tanto ao meio ambiente quanto na vida das comunidades tradicionais do local.

O ICMBio apontou que na área impactada pela futura barragem há um Parque Nacional e diversas reservas extrativistas, com possibilidade dos impactos serem da mesma proporção aos encontrados em Porto Velho, mesmo sendo a cidade de Machadinho e a própria hidrelétrica menores do que a capital rondoniense e as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.

Em Porto Velho, os impactos das barragens de Santo Antônio e Jirau para as atividades pesqueiras foram subdimensionados e hoje a comunidade tradicional de pescadores do Abunã corre o risco de extinção. No caso de Tabajara, alguns pescadores começaram a participar do processo de estudos de impacto ambiental das áreas de abrangência da usina, mas logo desistiram de acompanhar porque discordaram das técnicas e equipamentos usados pelos profissionais contratados pelo empreendedor, pois estes capturavam peixes em quantidade bem inferior ao que normalmente os pescadores tradicionais conseguem no dia a dia.

Beiradeiros

Dentre as áreas que serão afetadas pela hidrelétrica de Tabajara está a Vila de Tabajara, comunidade localizada às margens do rio Ji-Paraná, a 70 quilômetros de Machadinho d’Oeste, que, por ser mais antiga que a capital de Rondônia, Porto Velho, possui postes londrinos e materiais arqueológicos da época em que a vila era populosa e tinha até pista para aviões. Hoje há cerca de 80 famílias na vila.

Os beiradeiros são originários do processo de migração decorrente dos ciclos econômicos associados à exploração da borracha na Amazônia, quando grandes contingentes de camponeses nordestinos foram levados à região por seringalistas, empresas exportadoras de borracha e pelo Estado brasileiro.

Com o passar do tempo, os seringueiros que permaneceram na região constituíram família, muitas vezes com indígenas, e aprenderam a viver na floresta e da floresta, desenvolvendo um modo de vida específico e conhecimentos singulares, o que exige a realização de estudos mais minuciosos.

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