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A ameaça dos fungos: quais as doenças causadas por eles?


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Em dezembro de 2018, a professora Stephanie Spoor, de 64 anos, deu entrada no Northwestern Memorial Hospital, em Chicago, nos Estados Unidos, com falta de ar. Menos de dois meses depois, ela contraiu um fungo misterioso, não resistiu e morreu, vítima de insuficiência respiratória. Um exame de sangue detectou a presença do Candida auris, um superfungo que ataca pessoas com a imunidade debilitada, como portadores de HIV ou em tratamento contra o câncer, e submetidas a procedimentos invasivos (com sondas e cateteres, por exemplo). Indivíduos internados por longos períodos em UTIs e com histórico de uso prévio de antibióticos ou antifúngicos também fazem parte desse grupo de risco.

P U B L I C I D A D E

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC) informa que o caso de Stephanie Spoor não é isolado. Até o momento, foram registrados 587 óbitos pelo fungo em hospitais de Nova York, Nova Jérsei e Illinois. Segundo Tom Chiller, chefe do Departamento de Doenças Micóticas do órgão, o C. auris foi identificado pela primeira vez em 2009 no canal auditivo de uma paciente no Japão – auris, em latim, é “ouvido”.

Cabe esclarecer que não se trata do mesmo micro-organismo por trás da candidíase: esse é o Candida albicans. O primo mais letal já se espalhou por mais de 30 países, como Espanha, Índia e África do Sul. “Não temos conhecimento de nenhuma infecção por C. auris no Brasil, mas é um fungo emergente que representa uma grave ameaça à população”, afirma Chiller.

O inimigo ainda não chegou por aqui, mas passou perto duas vezes. A primeira aparição na América do Sul foi notificada entre março de 2012 e julho de 2013 na Venezuela. Dos 18 pacientes infectados na UTI de um hospital neonatal, cinco morreram – três eram bebês.

Outro surto, desta vez na Colômbia, ocorreu em agosto de 2016. Não houve mortos. Um ano depois, em março de 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um comunicado, alertando os serviços de saúde para o risco da chegada do fungo assassino ao Brasil. “Já foram registrados sete casos suspeitos: quatro em São Paulo, dois em Minas Gerais e um no Espírito Santo. Todos foram analisados e, até a presente data, nenhum caso foi confirmado”, conta Magda Costa, gerente de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde da Anvisa.

Os fungos mais temidos do mundo

Com exceção do Candida auris, os outros quatro já fizeram vítimas no Brasil

Candida auris: ataca pessoas internadas ou com o sistema imune comprometido. É resistente a remédios e pode matar em menos de três meses.

Aspergillus fumigatus: a aspergilose pode devastar os pulmões. Seu índice de mortalidade em pessoas com HIV ou câncer chega a 85%.

Lomentospora prolificans: apenas 20% dos acometidos sobrevivem a ele. Em 2018, o Brasil registrou a primeira morte na América do Sul.

Histoplasma capsulatum: parte para cima de vários órgãos e causa a chamada “doença das cavernas”. Pode ser transmitida por animais e o contágio se dá por via respiratória.

Penicillium Marneffei: a peniciliose pode atingir áreas vitais do corpo humano, como pulmões, fígado e rins, e, no caso de pessoas soropositivas e com baixa imunidade, até levar à morte.

Superfungos versus superbactérias?

A ameaça do C. auris nos faz pensar que já vimos esse filme antes. Mas, no lugar dos fungos, os vilões eram as superbactérias. Quase 90 anos depois da descoberta do primeiro antibiótico, esses micróbios resistem a boa parte dos medicamentos e são um dos maiores desafios de saúde pública.

Suspeita-se que os fungos estejam evoluindo para um caminho parecido, repelindo os remédios feitos para contê-los. No caso do C. auris, 90% dos casos são resistentes a pelo menos uma droga. E de quem é a culpa?

Em parte, dizem os investigadores, do uso indiscriminado de antifúngicos na medicina e na agricultura. “Novas medicações mais potentes e efetivas são necessárias e algumas delas já estão em desenvolvimento”, ressalta o médico David Denning, chefe-executivo do Fundo de Ação Global para Infecções Fúngicas.

O gênero Candida, do qual fazem parte o já citado albicans, o auris e outros tantos, é famoso por se aproveitar de brechas em nossas defesas para tentar tomar conta do pedaço. Nesse contexto, há os que causam uma candidíase tratada com pomadas e espécies mais temerosas – metade dos pacientes infectados pelo auris morre em até 90 dias.

De acordo com o biólogo Lucas Bonfietti, diretor do Núcleo de Micologia do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, os integrantes do gênero Candida tanto podem colonizar o corpo humano de forma inofensiva como causar ataques sistêmicos graves. “Tudo vai depender de fatores como imunidade do hospedeiro e virulência do fungo”, explica.

A gente fala muito de vírus e bactérias, mas tem um universo fúngico ao nosso redor: no solo, no ar, dentro do organismo. Segundo as estimativas mais conservadoras, existem de 1,5 milhão a 5 milhões de espécies. Dessas, apenas 5% teriam sido classificadas.

Nem todas são perversas. “Várias desempenham um papel importante ao não permitir que outros elementos, como vírus e bactérias, se multipliquem excessivamente”, ilustra Bonfietti.

Fungos que habitam nosso corpo

Boca: ambientes quentes e úmidos são o habitat ideal dos fungos. Alguns vivem em paz ali, mas outros aprontam – caso do Candida albicans, que pode causar o popular “sapinho”.

Intestino: a microbiota não é composta só de bactérias. Há muitos fungos por lá. Existem aqueles, porém, que, ao se proliferar em excesso, provocam desconfortos e prisão de ventre.

Pele: um estudo americano identificou mais de 500 mil espécies na pele humana. A parte que abriga o maior número delas é o pé, onde os micro-organismos se alojam nas unhas, entre os dedos…

Genitais: em condições normais, fungos da espécie Candida albicans habitam as partes íntimas sem causar danos. Mas, fora de controle, despertam coceira e vermelhidão – marcas da candidíase.

Temos inclusive muito o que agradecer aos fungos. Graças ao Penicillium notatum, o cientista Alexander Fleming (1881-1955) descobriu o primeiro antibiótico da história, a penicilina. Na gastronomia, eles são essenciais para fabricar queijos, pães e vinhos. Na agricultura, usados no controle de pragas.

A maioria é invisível a olho nu. Mas tem os cogumelos, outros membros do reino Funghi, que até podem ser comestíveis. E, no outro extremo da escala, o Armillaria ostoyae, ou cogumelo-do-mel, que vive sob o solo de uma floresta americana e ocupa uma área equivalente a 1,2 mil campos de futebol – é o maior ser vivo do planeta!

Das espécies microscópicas conhecidas, apenas umas 50, pelos cálculos do infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, provocam doenças. “Os fungos são oportunistas por natureza”, define.

Para Carlos Taborda, presidente da Sociedade Brasileira de Micologia, as enfermidades fúngicas, embora tão sérias quanto as bacterianas, ainda são negligenciadas. “O Brasil não dispõe de um sistema de vigilância de fungos capaz de identificar precocemente o C. auris em todo o território”, exemplifica.

Apesar dos pesares, não há motivo para pânico geral, na visão do infectologista Arnaldo Colombo, diretor do Laboratório de Micologia da Universidade Federal de São Paulo. “A disseminação do C. auris não é um problema para pessoas saudáveis ou para a maioria dos atendidos em consultórios ou ambulatórios do SUS.” O cuidado, sim, deve ser redobrado com pacientes internados em UTIs ou submetidos a procedimentos invasivos.

Entre as regras de prevenção contra o ataque dos fungos em geral, ensina a microbiologista Francis Borges, da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), estão lavar as mãos, não compartilhar objetos de uso pessoal, enxugar bem partes do corpo pouco ventiladas e não ficar com calçados fechados por muito tempo. “O arsenal terapêutico para doenças fúngicas é menor do que o disponível para as bacterianas”, avisa. Convém se precaver.

Doenças que os fungos podem causar

Conjuntivite: na maioria dos casos, a inflamação e a irritação dessa estrutura do olho são provocadas por bactérias. Mas fungos podem se instalar ali e demorar para ir embora.

Micose: causada por mais de 100 espécies, aflige pele, unha e couro cabeludo. Áreas pouco ventiladas são as mais vulneráveis. O tratamento inclui pomadas e comprimidos.

Candidíase: pode atormentar homens e mulheres, e em vários locais do corpo. Os casos mais corriqueiros têm a ver com os genitais, onde causa coceira, ardência e inchaço.

Meningite: a inflamação da meninge, membrana que envolve a medula espinhal e o cérebro, é bem séria e pode ser causada pelo fungo Cryptococcus.

Pneumonia: pacientes soropositivos, oncológicos ou imunodeprimidos são os mais propensos a contrair o tipo mais raro e agressivo de infecção nos pulmões.

Infecção intestinal: embora seja menos comum, fungos também podem se alastrar no aparelho digestivo e complicar a situação ali. O tratamento é emergencial.

Pé de atleta: é transmitido por contato direto com a pessoa infectada pelo fungo Tricophyton ou com superfícies contaminadas em praias, piscinas e banheiros. Dá uma coceira…

A biografia dos fungos

Século 4 a.c.: Aristóteles divide os seres vivos em dois reinos: o dos animais e o das plantas. Os fungos estão no segundo grupo.

1729: o botânico italiano Pier Antonio Micheli cataloga 1 900 plantas em um compêndio – 900 delas eram fungos.

1836: o inglês M.J. Berkeley cria o termo micologia. Em grego, mykes significa “fungo”, e logos, “estudo”.

1866: o naturalista alemão Ernst Haeckel estabelece um terceiro reino, o Protista. Entram aí bactérias e protozoários.

1969: o biólogo americano Robert Whitaker cria o reino dos fungos e outro para micro-organismos multicelulares.

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