Uma ampla revisão científica internacional indica que a terapia manual, que inclui técnicas como manipulação vertebral, mobilizações e abordagens miofasciais, promove redução significativa da dor lombar crônica e melhora da funcionalidade nos primeiros meses após o início do tratamento. Os efeitos tendem a diminuir ao longo do tempo, o que reforça a importância de estratégias integradas e centradas no paciente

A terapia manual pode reduzir a dor lombar crônica de forma significativa (dez pontos em uma escala de zero a cem) e melhorar a capacidade funcional nos primeiros meses de tratamento. Essa é a principal conclusão de uma metanálise publicada na revista científica Annals of Physical and Rehabilitation Medicine, que reuniu evidências de 21 revisões sistemáticas, abrangendo mais de 35 mil pacientes adultos com dor lombar crônica não específica. De acordo com os resultados, esse tipo de intervenção apresentou melhor desempenho do que outras abordagens na redução da dor e da incapacidade funcional no curto prazo, embora esse efeito venha a diminuir progressivamente com o tempo. 

A dor lombar crônica é atualmente uma das principais causas de incapacidade no mundo e representa um problema de saúde pública de grandes proporções. Estimativas globais indicam que mais de 600 milhões de pessoas conviviam com essa condição em 2020 e as projeções apontam para um crescimento significativo nas próximas décadas. Em grande parte dos casos, não há uma causa estrutural detectável em exames, o que caracteriza a chamada dor lombar crônica não específica. Essa ausência de um diagnóstico anatômico torna o manejo clínico desafiador e exige decisões terapêuticas baseadas em evidências consistentes.

O que os dados revelam sobre dor e funcionalidade

Ao analisar conjuntamente os estudos disponíveis, os pesquisadores observaram que pacientes submetidos à terapia manual apresentaram uma redução média de pouco mais de dez pontos na intensidade da dor em escalas padronizadas de 0 a 100, quando comparados a outros tipos de intervenção. Na prática clínica, esse resultado equivale a um alívio perceptível no dia a dia, com impacto direto na capacidade de sentar, caminhar, permanecer em pé ou realizar tarefas simples.

Além do alívio da dor, a metanálise mostrou melhora moderada na funcionalidade, medida por instrumentos amplamente utilizados para avaliar incapacidade associada à dor lombar. Esses ganhos indicam que os pacientes não apenas sentiram menos dor, mas também conseguiram recuperar parte da autonomia e da mobilidade perdidas com a cronicidade do quadro.

O fisioterapeuta e osteopata José García Cancela, um dos autores do estudo, o valor clínico desses achados está justamente no efeito inicial. “A terapia manual mostra benefícios claros logo no início do tratamento, o que é fundamental para pacientes que chegam muito limitados pela dor”, afirma. Segundo ele, a terapia manual reduz a dor e a incapacidade de forma mensurável no curto prazo, criando uma janela de oportunidade para que o paciente volte a se movimentar e participe ativamente do tratamento”, explica Cancela, que é mestre e doutorando em Psiconeuroimunologia Clínica e professor do Pruimboom Institute. 

Apesar do resultado positivo inicial, o estudo aponta que o efeito tende a diminuir nos acompanhamentos de médio e longo prazo. Entre quatro e seis meses, a redução da dor ainda é observada, mas com menor intensidade. Após períodos mais prolongados, a diferença entre a terapia manual e outras abordagens deixa de ser estatisticamente significativa.

Por que o efeito da terapia manual diminui com o tempo

Para os autores, essa redução gradual do efeito não invalida a utilidade da terapia manual, mas ajuda a posicioná-la de forma mais realista dentro do tratamento da dor lombar crônica. Um dos mecanismos mais prováveis envolve a modulação do sistema nervoso central, que pode reduzir temporariamente a percepção da dor por meio de estímulos sensoriais e neurofisiológicos.

“A terapia manual atua como um modulador do sistema nervoso, ajudando a diminuir o estado de alerta exagerado que sustenta a dor crônica”, explica Cancela. “Mas esse efeito tende a ser transitório se não houver mudanças mais profundas no comportamento, no movimento e na forma como a pessoa entende a própria dor”. O especialista reforça que a dor lombar crônica não se mantém apenas por alterações físicas. “Ela envolve aprendizado do sistema nervoso, expectativas, medo do movimento e fatores emocionais”. 

Outro ponto destacado pelos pesquisadores é a grande variedade de técnicas agrupadas sob o termo terapia manual, com diferenças importantes de intensidade, duração e frequência das intervenções. Essa heterogeneidade dificulta comparações diretas e contribui para variações nos resultados observados ao longo do tempo. Além disso, fatores como a relação terapêutica e as expectativas do paciente têm papel relevante. 

Evidências recentes indicam que o toque terapêutico pode ativar mecanismos cerebrais associados ao alívio da dor e à redução da ansiedade, reforçando que o contexto do atendimento também influencia os resultados clínicos. “O toque terapêutico não é apenas uma técnica. Ele envolve confiança, sensação de cuidado e redução da ansiedade, o que também interfere na experiência da dor”, acrescenta Cancela. 

Esses achados reforçam a ideia de que a terapia manual funciona melhor como parte de uma estratégia mais ampla, integrada a outras abordagens que promovam efeitos sustentáveis.

Entender a dor também ajuda a reduzi-la, mostra outro estudo

Os resultados sobre terapia manual dialogam diretamente com outro estudo recente, também liderado por José García Cancela, que investigou o impacto da Educação em Neurociência da Dor no tratamento da dor lombar crônica. Publicada na Annals of Physical and Rehabilitation Medicine, essa revisão analisou 19 revisões sistemáticas e meta-análises, envolvendo um total de 5.200 pacientes.

O estudo mostrou que ensinar os pacientes a compreenderem como a dor é produzida e modulada pelo cérebro e pelo sistema nervoso contribui para a redução da intensidade dolorosa e da incapacidade funcional, especialmente quando essa educação é associada a exercícios físicos e fisioterapia. A proposta da Educação em Neurociência da Dor é explicar, em linguagem acessível, que dor não é sinônimo automático de dano nos tecidos.

“Compreender a dor muda a relação da pessoa com o próprio corpo. Quando o paciente entende que o cérebro pode manter a sensação de dor mesmo sem uma lesão ativa, o medo do movimento diminui e o corpo responde melhor ao tratamento. Aprender sobre a dor ajuda o cérebro a desligar respostas de proteção exageradas que mantêm o quadro crônico”, reforça.

Os resultados quantitativos mostram redução significativa da dor e melhora funcional clinicamente relevante quando a educação é combinada ao movimento. Na prática, isso significa menos limitações para atividades diárias e maior confiança para se movimentar com segurança. 

Ao analisar conjuntamente os dois estudos, emerge uma mensagem clara: intervenções isoladas têm alcance limitado no tratamento da dor lombar crônica. A terapia manual é eficaz para aliviar a dor nos primeiros meses e facilitar o engajamento do paciente, enquanto a educação e o exercício contribuem para mudanças mais duradouras.

Cancela conclui que mais do que técnicas específicas, os dois estudos, que compõem o seu doutorado, reforçam uma mudança de paradigma no cuidado da dor lombar crônica, baseada na integração entre corpo, cérebro e comportamento. Ao reconhecer a complexidade da dor e envolver ativamente o paciente no processo terapêutico, a ciência aponta caminhos mais sólidos para reduzir sofrimento, restaurar funcionalidade e melhorar a qualidade de vida.

Artigos científicos

Conde-Vázquez O, García-Cancela J, Navarro-Ledesma S, Pruimboom L. The effectiveness of manual therapy in people with chronic non-specific low back pain: an umbrella review with meta-analysis. Ann Phys Rehabil Med. 2025 Nov 24;69(2):102049. 

Cancela JG, Vázquez OC, Ledesma SN, Pruimboom L. The effectiveness of pain neuroscience education in people with chronic non-specific low back pain: An umbrella review with meta-analysis. Ann Phys Rehabil Med. 2025 Sep 25;68(8):102020. 

Sobre o Pruimboom Institute - O Pruimboom Institute, fundado em 2023 pelo Dr. Leo Pruimboom, oferece treinamento de classe mundial para profissionais médicos e paramédicos na área de psiconeuroimunologia clínica (PNIc). Esta disciplina médica translacional examina os sistemas corporais interconectados e sua relação com os aspectos psicológicos, sociais e ecológicos da vida do paciente. O objetivo do Pruimboom Institute é incorporar essa abordagem à saúde para fornecer uma visão mais integrativa da saúde dos pacientes. Os seus campos estão Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Espanha, Holanda, Itália, México e Turquia. https://campus-brasil.pruimboominstitute.com/