Na mesa-redonda "Desafios no Diagnóstico e Rastreamento no Câncer de Pâncreas", durante o evento PANCREAS 2025, em São Paulo, realizado em setembro, especialistas nacionais e internacionais destacaram que 80% dos tumores ainda são descobertos em fase avançada, quando as chances de cura são pequenas. Nas apresentações os especialistas discutiram fatores de risco, avanços em imagem e endoscopia, modelos ágeis de atendimento, o papel estratégico do SUS e o protagonismo das organizações de pacientes

Um das mesas-redondas mais aguardadas do PANCREAS – Multidisciplinary Pancreas Cancer Research, Education & Assistance Symposium, evento realizado em São Paulo, foi intitulada “Desafios no Diagnóstico e Rastreamento no Câncer de Pâncreas”. A sessão reuniu especialistas nacionais e internacionais para discutir estratégias, tecnologias e políticas capazes de transformar o futuro da detecção precoce da doença, a sétima causa de morte por câncer no mundo. 

Moderada por Cláudia Zitron, Walter Henriques da Costa, Suzan Goldman, Evandra Rocha e Maira Andrade Nacimbem Marzinotto, a mesa trouxe exposições didáticas, relatos de experiência e reflexões estratégicas. Ao longo da manhã, os palestrantes se revezaram em apresentações que abordaram desde fatores de risco e avanços em imagem e endoscopia até novos modelos de organização de serviços, políticas públicas e o protagonismo dos pacientes.

De acordo com Felipe José Fernández Coimbra, cirurgião oncológico e presidente do Simpósio, o debate mostrou que, se a biologia agressiva do tumor impõe barreiras, a ciência, a inovação tecnológica e a articulação entre especialistas e pacientes podem abrir novos caminhos. “Vimos que prevenção e diagnóstico precoce de câncer de pâncreas são cenários possíveis. Podemos reverter o atual contexto de 80% de tumores diagnosticados em fase avançada”, comenta Coimbra. 

Avaliação de risco e diagnóstico precoce

Abrindo a sessão, a médica gastroenterologista, Maira Andrade Nacimbem Marzinotto, coordenadora do grupo de Pâncreas da Gastroenterologia Clínica do HC-FMUSP apresentou um panorama realista. Segundo ela, 90% das neoplasias pancreáticas são adenocarcinomas ductais (PDAC), responsáveis pela 7ª causa de morte por câncer no mundo e 3ª nos Estados Unidos. O problema, aponta a especialista, está na fase de diagnóstico.  “80% dos casos são diagnosticados em fase avançada, com sobrevida em 5 anos de apenas 11%. Em contrapartida, pacientes em estágio IA podem alcançar de 68% a 80% de sobrevida”, relata. 

Maira reforçou que o rastreamento universal não é indicado devido à baixa incidência da doença na população geral, risco de falsos positivos e limitações dos métodos atuais. Porém, os grupos de risco precisam ser tratados de forma diferenciada. “É aceitável um programa de vigilância para pacientes com risco de PDAC de 5% ou mais. Populações com mutações em BRCA, síndrome de Lynch, Peutz-Jeghers e outras alterações genéticas comprovadas devem ser acompanhadas de perto”, destaca.

Ela também revisitou fatores de risco modificáveis, como tabagismo, diabetes e consumo de álcool, e os não modificáveis, como pancreatite crônica e síndromes hereditárias. “Não podemos desperdiçar a janela de oportunidade em indivíduos de alto risco”, reforça. 

A fala da gastroenterologista deixou evidente que, no caso do câncer de pâncreas, o cuidado precisa começar antes mesmo do aparecimento do tumor. Identificar sinais discretos pode significar a diferença entre um tratamento curativo e a ausência de opções com essa proposta. 

O olhar da imagem: detectar o invisível

Na sequência a médica radiologista Suzan Menasce Goldman, Professora Livre Docente da UNIFESP, apresentou a palestra “Como a Imagem Está Ajudando a Detectar o Câncer de Pâncreas Mais Cedo”, destacando os avanços nos protocolos de ressonância magnética e tomografia. Para ela, a atenção aos detalhes faz toda a diferença: “O que salva vidas é o checklist estruturado, com protocolos específicos e de alta resolução, capazes de identificar sinais sutis que podem mudar completamente o desfecho clínico", afirma.

Em sua apresentação, Suzan mostrou exemplos de tumores ainda invisíveis à visão direta, mas detectáveis por alterações como atrofia focal, perda de esteatose hepática ou dilatação abrupta de ductos. “Quando vemos uma dilatação ductal abrupta, acompanhada de atrofia focal e perda da esteatose pancreática, mesmo sem o tumor evidente, devemos suspeitar de câncer de pâncreas”, explicou aos congressistas.

Ela também apresentou experiências iniciais com inteligência artificial. “Os trabalhos mostram que a segmentação pancreática feita por IA se aproxima muito da realizada por radiologistas, mas ainda carece de validação ampla. A esperança é que, em breve, a tecnologia nos ajude a antecipar diagnósticos em até um ano”, afirma. A especialista lembrou ainda que a convergência entre diferentes métodos é indispensável. Segundo ela, ecoendoscopia, ultrassonografia e ressonância não competem, mas se complementam. Essa integração, frisou, pode ser o próximo passo para elevar as taxas de detecção precoce.

Endoscopia avançada: o futuro já chegou

O endoscopista digestivo Eloy Taglieri, do A.C.Camargo Cancer Center, apresentou uma aula sobre inovações em endoscopia diagnóstica. Ele lembrou que a ecoendoscopia, desenvolvida nos anos 1980, deu um salto a partir da década de 1990 com o avanço das biópsias. Hoje, consolidou-se como ferramenta de alta precisão. “A ecoendoscopia produz imagens de altíssima resolução e permite biópsias seguras de lesões menores que dois centímetros. Essa proximidade do transdutor com o órgão é uma vantagem enorme”, avalia. 

Taglieri ressaltou o impacto das novas agulhas de biópsia do pâncreas. “Hoje, para lesões sólidas pancreáticas, o método de escolha é a biópsia por agulha fina, porque mantém a arquitetura tecidual, permite a imunohistoquímica e até o sequenciamento genético”, complementa. Ele também destacou o uso de contrastes com microbolhas, ainda pouco disponíveis no Brasil, mas capazes de diferenciar adenocarcinomas de pancreatites e tumores neuroendócrinos. Além disso, mostrou a aplicabilidade da endomicroscopia confocal e da pancreatoscopia, métodos que permitem visualizar alterações em tempo real.

Por fim, chamou atenção para a esteatose pancreática como achado de risco. “Pacientes com obesidade, diabetes e síndrome metabólica frequentemente apresentam infiltração gordurosa na glândula, que já está associada a um risco aumentado de câncer de pâncreas. Precisamos relatar e acompanhar esses achados”, orienta. 

One Stop Clinic: diagnóstico ágil e multidisciplinar

Em sua exposição, o cirurgião oncológico Dante Altenfelder Silva Mesquita Cortelli apresentou o modelo One Stop Clinic, estabelecido no A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, que encurta a jornada do paciente. “Nosso protocolo busca oferecer diagnóstico e definição de conduta em até 72 horas, de forma ambulatorial, reunindo consulta médica, exames de imagem, análises laboratoriais e até biópsia, quando necessário”, relata o especialista, titular do Centro de Referência de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo. 

O impacto da agilidade foi ilustrado por Cortelli com dados de mais de 64 mil pacientes. “Estudo mostrou que quem inicia tratamento em até um mês após o diagnóstico tem mais chance de cirurgia curativa e vive mais. O atraso reduz significativamente as possibilidades terapêuticas”. Ainda segundo Dante Cortelli, a proposta não é apenas acelerar, mas integrar múltiplas especialidades. “É um esforço multidisciplinar, que depende do alinhamento entre radiologistas, patologistas, anestesistas e cirurgiões. O resultado é um cuidado mais resolutivo e centrado no paciente”, conclui. O modelo já está implementado em seu hospital e os resultados têm chamado atenção pela capacidade de oferecer respostas rápidas em um contexto em que tempo e precisão são determinantes para o prognóstico.

SUS, sociedades médicas e a urgência de políticas públicas

O cirurgião oncológico Rodrigo Nascimento Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) trouxe uma reflexão sobre desigualdade e políticas de saúde. Ele destacou que “o CEP do paciente no Brasil ainda é determinante para o diagnóstico e tratamento que ele terá acesso. Há no Brasil áreas inteiras sem cobertura adequada e isso se traduz em iniquidade de resultados”

Pinheiro expôs números do orçamento da saúde. “Menos de 3% do orçamento do SUS é destinado à oncologia e o maior investimento do Ministério da Saúde é em medicamentos, não na cirurgia, que é o tratamento que cura a maioria dos cânceres. Estamos investindo pouco e mal, de forma desequilibrada. É preciso repensar a distribuição de recursos”, alerta Pinheiro. 

Rodrigo Pinheiro defendeu a centralização do atendimento em centros especializados e lembrou que o SUS, apesar das dificuldades, é uma vantagem estratégica para o país. “A existência de um sistema público universal é uma vantagem estratégica, mas precisamos de redes organizadas, linhas de cuidado claras e investimentos em prevenção primária e secundária”, reforça. 

O especialista enfatizou ainda a necessidade de maior sinergia entre sociedades médicas, gestores públicos e profissionais de saúde. Para ele, só a integração será capaz de reverter o cenário atual de fragmentação e desigualdade.

Vozes dos pacientes: o chamado de Julie Fleshman

Encerrando a mesa, a norte-americana Julie Fleshman, presidente da Pancreatic Cancer Action Network (PanCAN) e da "World Pancreatic Cancer Coalition”, falou sobre o protagonismo das organizações de pacientes. “O câncer de pâncreas continua sendo uma das doenças mais desafiadoras de prevenir, diagnosticar e tratar. A maioria dos pacientes ainda é diagnosticada em estágios avançados, e não há opções terapêuticas suficientes”. 

Ela lembrou que, nos Estados Unidos, a sobrevida em cinco anos subiu de 4% para 13% em 25 anos, mas segue inaceitável. “Ainda temos muito trabalho pela frente”, convoca. Julie apresentou iniciativas da PanCAN, como o programa Know Your Tumor, que já beneficiou mais de 3.300 pacientes com testes genômicos e o Early Detection Initiative, que acompanha milhares de pessoas com diabetes de início recente após os 50 anos, um relevante fator de risco para câncer de pâncreas. “É um diagnóstico assustador e ter alguém ao lado para ajudar em cada etapa, responder às perguntas, oferecer segurança e, principalmente, mostrar que o paciente não está sozinho, faz toda a diferença”, conta Julie Fleshman. 

Ela também destacou a importância do engajamento coletivo. “Ao longo de 25 anos, conseguimos criar uma comunidade de pesquisa vibrante, que cresce a cada geração. Nosso papel é ser financiadores, educadores, defensores e, sobretudo, garantir que a voz do paciente seja ouvida”. Por fim, Julie, que criou a PanCan em memória de seu pai, que morreu por câncer de pâncreas apenas quatro meses após o diagnóstico de câncer de pâncreas, deixou uma mensagem. “A sobrevivência é uma montanha-russa. Estudar essa doença e avançar também é uma montanha-russa. Mas tenho certeza de que, juntos, vamos continuar exigindo mais, fazendo mais e entregando mais para cada pessoa tocada por essa doença”, deseja. 

Convergência para o futuro

Felipe Coimbra, um dos principais especialistas no assunto,  analisa que a mesa-redonda demonstrou que o enfrentamento do câncer de pâncreas exige múltiplas frentes, que incluem prevenção de fatores de risco, protocolos de imagem e endoscopia de alta precisão, modelos inovadores de assistência, políticas públicas inclusivas e a voz ativa dos pacientes. Além disso, enaltece a importância da junção entre ciência, tecnologia, gestão de saúde e advocacy. 

O PANCREAS 2025: Pancreatic Cancer Research, Education & Assistance Symposium foi realizado em setembro no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. 

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