Quando tribunais internacionais e princípios universais desafiam o poder dos Estados, a democracia entra em terreno desconhecido
Por que os Estados estão perdendo força diante do cenário internacional? Essa é a pergunta que norteia o artigo “A Crise da Soberania e a Ascensão do Constitucionalismo Global: Desafios para a Democracia e os Direitos Fundamentais”, escrito por Gabriel César Dias Lopes, e publicado na revista jurídica Ânima (v.30, n.1, 2025). O texto joga luz sobre um tema que, embora técnico, tem implicações diretas para o cidadão comum: como as decisões que afetam nossas vidas cada vez mais extrapolam as fronteiras nacionais.
Com um estilo analítico e um olhar crítico, o autor aponta que a soberania tradicional — aquela ideia de que o Estado tem poder absoluto dentro de seu território — está sendo colocada em xeque por um fenômeno crescente: o constitucionalismo global. Esse novo paradigma jurídico coloca princípios e direitos universais acima de legislações locais, trazendo desafios profundos para a democracia, os direitos fundamentais e a autonomia estatal.
A partir de uma revisão robusta de autores como Luís Roberto Barroso, Angela Limongi Alvarenga Alves e Guilherme Sandoval Góes, o artigo revela como a globalização, longe de ser um fenômeno econômico, está reestruturando a maneira como o poder é exercido. Organismos internacionais e tribunais supranacionais ganham protagonismo, ao passo que os Estados-nação precisam negociar sua autoridade em nome da integração.
Uma das observações mais provocativas de Lopes é a tendência de prevalência dos direitos civis — como a liberdade de expressão e o direito à propriedade — em detrimento dos direitos sociais e econômicos, como saúde, educação e moradia. Esse desequilíbrio, segundo o autor, pode representar um retrocesso nas conquistas históricas da justiça social.
Além disso, o artigo destaca o papel cada vez mais decisivo do Poder Judiciário. As cortes constitucionais, antes restritas à interpretação das leis, hoje atuam de forma mais “contramajoritária”, protegendo minorias e enfrentando governos. Isso reforça a proteção de direitos, mas também gera tensões institucionais, especialmente quando decisões judiciais contrariam a vontade popular expressa pelas urnas.
Outro ponto instigante está na reconfiguração da soberania como algo plural, fluido e adaptável. A ideia de um poder estatal rígido dá lugar a uma dinâmica onde diversos atores — da sociedade civil aos mercados internacionais — compartilham a produção normativa. O direito deixa de ser exclusividade dos Estados e é moldado em redes transnacionais.
Por fim, Lopes convida à reflexão: como proteger a democracia e os direitos fundamentais num cenário em que o poder está tão difuso? A resposta, para ele, passa por encontrar um novo equilíbrio entre autonomia estatal e integração internacional, que seja sensível às realidades locais, mas conectado aos valores universais.
O artigo é leitura indispensável para quem deseja entender os rumos do direito constitucional na era da interdependência global — e, mais do que isso, para quem se preocupa com o futuro da cidadania em um mundo onde as fronteiras já não garantem, sozinhas, os nossos direitos.
Direitos universais, desafios locais: como o constitucionalismo global impacta o cotidiano das democracias
Se você acha que discussões sobre constitucionalismo global são distantes da vida real, pense novamente: decisões de cortes internacionais sobre meio ambiente, direitos humanos ou comércio afetam diretamente a sua vida — e mais ainda a das instituições que deveriam representá-lo.
É isso que o artigo de Gabriel César Dias Lopes evidencia: a globalização do direito não é somente um fenômeno acadêmico. Ela se materializa quando acordos internacionais limitam políticas públicas locais ou quando o Judiciário se vê compelido a aplicar princípios universais, mesmo que confrontem legislações nacionais.
O maior desafio está em garantir que essa nova lógica jurídica não enfraqueça a democracia. A atuação contramajoritária dos tribunais, por exemplo, é essencial para proteger minorias. Mas e quando esse poder começa a moldar políticas públicas sem debate popular? Até que ponto um juiz pode decidir o que é melhor para a sociedade?
Além disso, há uma assimetria preocupante entre os direitos que esse constitucionalismo global tende a proteger. Direitos civis e políticos são frequentemente privilegiados, enquanto direitos sociais — mais caros, mais difíceis de implementar e menos “valorizados” no mercado internacional — são colocados em segundo plano. Isso abre espaço para uma democracia formal, mas esvaziada de conteúdo social.
O artigo também destaca o papel das constituições “materiais”, aquelas não escritas em papel, mas formadas por práticas, decisões judiciais e acordos. Elas ganham cada vez mais força, especialmente em contextos onde o direito se molda conforme interesses globais. E isso pode enfraquecer o papel das constituições formais e dos processos democráticos internos.
No entanto, não se trata de rejeitar a integração internacional — ela é inevitável. A proposta, segundo o autor, é construir um modelo de soberania adaptativa, que reconheça a interdependência entre os povos, mas preserve a capacidade dos Estados de proteger seus cidadãos conforme suas realidades.
Mais do que um diagnóstico, o artigo de Gabriel César Dias Lopes é um convite à ação: juristas, legisladores e a sociedade civil precisam pensar juntos em mecanismos que fortaleçam a democracia diante da nova ordem global. O desafio não é pequeno, mas é urgente. Afinal, num mundo cada vez mais sem fronteiras, a cidadania não pode ser deixada para trás.
Ficha Técnica do Artigo
Título do artigo:
A Crise da Soberania e a Ascensão do Constitucionalismo Global: Desafios para a Democracia e os Direitos Fundamentais
Autor:
Gabriel César Dias Lopes
Pós-Doutor em Filosofia do Direito, com especialização em Direito Público pela City University, Phnom Penh, Camboja.
Contato: president@unilogos.edu.eu
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4977-5873
Publicado em:
ÂNIMA – Revista Eletrônica do Curso de Direito UniOpet
Volume 30, Número 1
Páginas: 01–14
Ano: 2025
Local: Curitiba – PR, Brasil
Palavras-chave:
Soberania; Constitucionalismo Global; Democracia; Direitos Fundamentais; Globalização; Judicialização.
Resumo:
O artigo analisa a crise do conceito tradicional de soberania estatal frente à ascensão do constitucionalismo global. A partir de uma revisão teórica com base em autores como Angela Limongi Alvarenga Alves, Luís Roberto Barroso e Guilherme Sandoval Góes, o estudo identifica uma transformação nas estruturas jurídicas e políticas do Estado moderno. Argumenta-se que a globalização relativiza a soberania nacional e fortalece o papel do Poder Judiciário, gerando avanços civilizatórios, mas também tensões institucionais e riscos à efetividade dos direitos sociais. O trabalho propõe uma reflexão crítica sobre os limites e possibilidades de uma soberania mais adaptativa e pluralista no contexto contemporâneo.
Metodologia:
Revisão de literatura narrativa com análise crítica de referenciais teóricos contemporâneos do Direito Constitucional.


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