Por Dra. Bianca Oliveira, Fundadora e CEO da Cicatriclin
Feridas crônicas vão muito além de um problema localizado na pele — elas são um sinal de alerta para condições clínicas graves e, quando não recebem o tratamento adequado, podem ter desfechos devastadores. Um dos mais recorrentes é a amputação de membros inferiores, realidade para milhares de brasileiros. Entre 2012 e 2023, mais de 282 mil procedimentos desse tipo foram realizados apenas na rede pública de saúde, segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV). Isso equivale a dezenas de vidas impactadas todos os dias, muitas vezes por complicações que poderiam ser evitadas com diagnóstico precoce e intervenções eficazes.
Diante desse cenário, o avanço tecnológico no tratamento de feridas representa uma verdadeira mudança de paradigma. Soluções como a terapia por pressão negativa (TPN), as matrizes regenerativas e a oxigenoterapia hiperbárica (OHB) têm se consolidado como alternativas seguras e altamente eficazes, proporcionando melhores desfechos clínicos e, em muitos casos, evitando intervenções mutiladoras.
A terapia por pressão negativa é hoje uma das principais aliadas no manejo de feridas complexas. A técnica consiste em aplicar uma pressão subatmosférica contínua ou intermitente diretamente sobre a ferida, por meio de um curativo selado conectado a um dispositivo de vácuo. Essa pressão ajuda a remover o exsudato, reduzir o edema local, estimular a formação de tecido de granulação e melhorar a perfusão sanguínea na área afetada. Diversos estudos demonstram que a TPN acelera significativamente o tempo de cicatrização, sendo indicada em úlceras de pressão, feridas cirúrgicas complicadas, úlceras diabéticas e lesões traumáticas extensas. Além disso, contribui para reduzir a carga bacteriana no leito da ferida, o que favorece a prevenção de infecções graves.
Outro recurso inovador, cada vez mais adotado nos protocolos especializados, é a matriz regenerativa. Desenvolvida a partir de materiais biocompatíveis – como colágeno, elastina ou tecidos acelulares de origem humana ou animal –, essa matriz atua como um arcabouço temporário que promove a regeneração tecidual, facilitando o crescimento de novas células e vasos. Seu uso é indicado especialmente em feridas profundas, com perda significativa de substância, ou em pacientes com fatores de risco que dificultam a cicatrização espontânea, como diabéticos, idosos ou pessoas com distúrbios vasculares.
Já a oxigenoterapia hiperbárica, técnica originalmente desenvolvida para o tratamento de mergulhadores com doença descompressiva, ganhou espaço na medicina de feridas após a constatação de seus efeitos benéficos em tecidos isquêmicos. Realizada em câmaras pressurizadas, a OHB permite que o paciente inale oxigênio a 100% em uma pressão superior à atmosférica, o que aumenta drasticamente a quantidade de oxigênio dissolvido no plasma. Esse incremento melhora a oxigenação dos tecidos periféricos, estimula a angiogênese, potencializa a resposta imunológica local e combate a infecção.
O avanço dessas tecnologias no Brasil ainda enfrenta desafios relacionados à capacitação de profissionais, padronização dos protocolos e acesso nos sistemas público e suplementar. No entanto, seu potencial para transformar a realidade de pacientes crônicos é inegável. Reduzir amputações evitáveis é uma questão de saúde pública, mas também um compromisso ético da medicina contemporânea com a preservação da qualidade de vida. Ao apostar na inovação, temos a oportunidade de ressignificar o cuidado com as feridas, promovendo autonomia, funcionalidade e dignidade para milhares de brasileiros.
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