Novos achados científicos apontam que alterações no microbiota intestinal causadas pela exposição à E. coli pode ser responsável pelo surgimento de tumores décadas depois

Um fenômeno global que preocupa especialistas está ganhando força também no Brasil: o aumento acelerado de casos de câncer colorretal em pessoas com menos de 50 anos. Terceiro tumor mais incidente no país, a doença que tradicionalmente afetava idosos agora se manifesta cada vez mais cedo, levantando questionamentos sobre a necessidade de revisão nas políticas de rastreamento.

"Na última década observamos que a incidência entre pessoas com menos de 50 anos aumentou em aproximadamente 2% ao ano para tumores de cólon e reto", alerta Mauro Donadio, oncologista da Oncoclínicas&Co, especialista em tumores do aparelho digestivo.

Os motivos para o crescimento no volume de casos em pessoas jovens ainda não são claros, mas uma descoberta recente tem chamado atenção da comunidade científica internacional: a relação entre alterações no microbioma intestinal na infância e o desenvolvimento de tumores décadas depois. Pesquisadores identificaram que a exposição a cepas específicas da bactéria E. coli produtoras de colibactina — uma toxina que causa danos ao DNA — está fortemente associada ao desenvolvimento precoce da doença.

O estudo internacional que sequenciou o DNA de 981 tumores colorretais mostrou que as mutações associadas à colibactina são 3,3 vezes mais comuns em pacientes diagnosticados antes dos 40 anos. Essas alterações frequentemente atingem o gene APC, um supressor tumoral crucial, e parecem ocorrer nos primeiros dez anos de vida — muito antes do diagnóstico. A pesquisa analisou as sequências completas de DNA de 981 tumores colorretais de pacientes de 11 países diferentes, identificando padrões geográficos específicos nas mutações que levam ao câncer. 

“O estudo revelou a presença de assinaturas mutacionais SBS88 e ID18, que estão associadas à colibactina, a toxina produzida por algumas cepas de E. coli. Estas ’impressões digitais’ bacterianas eram 3,3 vezes mais comuns em pacientes diagnosticados antes dos 40 anos do que naqueles com mais de 70 anos”, explica Donadio.

A pesquisa também descobriu que a colibactina tende a atingir o gene APC (um supressor tumoral que normalmente controla o crescimento celular), com cerca de 25% das mutações do APC apresentando a assinatura única desta toxina. 

“A análise molecular indicou que as mutações associadas à colibactina frequentemente surgem nos primeiros dez anos de vida, sugerindo que a toxina pode colonizar silenciosamente o intestino das crianças e iniciar alterações cancerígenas muito precocemente, décadas antes do diagnóstico clínico. Esta é uma das pesquisas mais recentes e significativas sobre a ligação entre o microbioma intestinal e o aumento do câncer colorretal em pessoas jovens”, destaca o oncologista.

Panorama global 

Ensaios como este tentam responder a uma realidade que vem chamando a atenção da comunidade médica global: a velocidade com que a doença tem avançado entre o público jovem. Essa tendência foi documentada em 27 dos 50 países analisados em estudo publicado na revista The Lancet Oncology no final de 2024. A análise,  conduzida pela American Cancer Society, revelou que o aumento não se limita a nações ricas, mas afeta também economias em desenvolvimento - e o Brasil, que atualmente registra em média 45.630 novos casos de câncer colorretal por ano, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), está entre os países em questão.

Na Inglaterra, um dos países mais afetados pelo fenômeno, registra-se aumento de 3,6% ao ano — o quarto crescimento mais acelerado globalmente. De acordo com as projeções, se esse ritmo de crescimento se mantiver, o tumor colorretal pode se tornar a principal causa de morte por câncer entre jovens adultos até 2030 em todo o mundo.

"Obviamente há outros fatores, além da bactéria E.Coli, que impulsionam a elevação dos casos da doença na parcela da população com menos de 50 anos. Entre as possíveis razões para o aumento da incidência da doença em pacientes mais jovens podemos incluir a epidemia de obesidade, fatores alimentares, o efeito de antibióticos no microbioma intestinal e aumento da presença de diferentes mutações germinativas associadas ao câncer", explica Donadio.

Diagnóstico tardio é desafio maior entre jovens

Um dos maiores problemas no combate ao câncer colorretal em jovens é o diagnóstico tardio. De acordo com Donadio, cerca de 20% a 30% das pessoas descobrem a doença em estágios avançados, situação que se agrava entre pacientes jovens.

"Isso pode ser atribuído à ausência de sinais e sintomas típicos de 'bandeira vermelha'. Ao invés disso, esses pacientes apresentam sintomas não específicos e o diagnóstico acontece mais tardiamente, uma característica encontrada principalmente em pacientes jovens", ressalta o médico.

Os sintomas mais comuns incluem anemia por deficiência de ferro, sangramento retal, dor abdominal, alteração nos hábitos intestinais e, em casos mais avançados, obstrução ou perfuração intestinal.

Atualmente, o Brasil segue a recomendação de iniciar o rastreamento do câncer colorretal a partir dos 50 anos. No entanto, diante do crescimento da doença entre jovens, diversos países já reduziram essa idade para 45 anos.

"Essa mudança acontece justamente pela elevada e crescente incidência da doença em pessoas com menos de 50 anos. Em alguns países, as sociedades médicas já têm recomendado em guidelines o início do rastreio a partir dos 45 anos", afirma Donadio.

A colonoscopia continua sendo o principal método de prevenção e diagnóstico precoce. "O rastreamento através de colonoscopia reduz a mortalidade pela doença, pois é capaz de detectar e tratar lesões em estágio muito inicial ou até mesmo as lesões pré-malignas, como pólipos intestinais", destaca o especialista.

Fatores de risco e prevenção

O Brasil acompanha o padrão epidemiológico mundial, com fatores de risco comportamentais típicos das sociedades ocidentais contemporâneas. "Os principais fatores são sedentarismo, obesidade, consumo de álcool e tabaco, e baixo consumo de fibras, frutas, vegetais e carnes magras", enumera Donadio.

À luz das novas descobertas sobre o microbioma intestinal,  a comunidade médica global passou a dar mais atenção também ao uso indiscriminado de antibióticos, especialmente na infância, e às dietas altamente processadas que favorecem o crescimento de bactérias potencialmente danosas.

"Alteração de estilo de vida com dieta adequada e atividade física regular, evitando sobrepeso e alterações metabólicas, é a principal forma de prevenção", recomenda o especialista.

De acordo com Donadio, outro ponto essencial se refere à uma rotina de acompanhamento ativa. Apesar da comprovada eficácia do rastreamento, uma parcela considerável da população ainda resiste à realização dos exames periódicos. "As pessoas podem resistir à triagem de colonoscopia por uma série de razões, incluindo medo, desconforto e falta de acesso ao exame. Além disso, podem apresentar constrangimento em discutir a triagem com um médico ou pensar que não há risco pela ausência de histórico familiar", explica Mauro Donadio.

Iniciativas como o Dia Mundial da Saúde Digestiva (29/05) ganham importância nesse cenário. "Campanhas como essa ajudam a disseminar informações mais fidedignas e sérias que possam efetivamente promover educação sobre o tema. Isso ajuda a desmistificar pré-conceitos sobre o exame de rastreio, alerta sobre sintomas e sinais suspeitos, e encoraja a realização dos testes recomendados", finaliza o oncologista.

Saiba mais

O que é câncer colorretal?
É um tumor que afeta o intestino grosso (cólon) e o reto. Geralmente começa como crescimentos benignos chamados pólipos, que ao longo do tempo podem se transformar em câncer.

Principais sintomas de alerta:

  • Sangue nas fezes
  • Mudança nos hábitos intestinais (diarreia ou constipação persistentes)
  • Dor ou desconforto abdominal
  • Sensação de evacuação incompleta
  • Fraqueza ou fadiga (relacionada à anemia)

Quem deve fazer o rastreamento?

  • Adultos a partir dos 50 anos
  • Pessoas com histórico familiar da doença podem precisar iniciar antes
  • Indivíduos com síndromes genéticas específicas
  • Pacientes com doença inflamatória intestinal

Principais tratamentos: Para casos iniciais, a cirurgia é o tratamento principal, podendo ser complementada com quimioterapia quando há fatores de risco para recidiva. Em casos avançados, quimioterapia, terapias-alvo e, mais recentemente, imunoterapia são as opções disponíveis, dependendo das características moleculares do tumor.


Sobre a Oncoclínicas&Co  

Oncoclínicas&Co é o maior grupo dedicado ao tratamento do câncer na América Latina, com um modelo hiperespecializado e inovador voltado para a jornada oncológica. Com um corpo clínico formado por mais de 2.900 médicos especialistas em oncologia, a companhia está presente em 40 cidades brasileiras, somando mais de 140 unidades. Com foco em pesquisa, tecnologia e inovação, o grupo realizou nos últimos 12 meses cerca de 682 mil tratamentos. A Oncoclínicas segue padrões internacionais de excelência, integrando clínicas ambulatoriais a cancer centers de alta complexidade, potencializando o tratamento com medicina de precisão e genômica. Parceira exclusiva no Brasil do Dana-Farber Cancer Institute, afiliado à Harvard Medical School, adquiriu a Boston Lighthouse Innovation (EUA) e possui participação na MedSir (Espanha). Integra ainda o índice IDIVERSA da B3, reforçando seu compromisso com a diversidade. Com o objetivo de ampliar sua missão global de vencer o câncer, a Oncoclínicas chegou à Arábia Saudita por meio de uma joint venture com o Grupo Al Faisaliah, levando sua expertise oncológica para um novo continente. Saiba mais em: www.oncoclinicas.com. 



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