Por David John Denton, CEO da Latache Capital*
O mercado de fusões e aquisições (M&A) no Brasil tem crescido nos últimos anos, mas ainda enfrenta entraves significativos no momento mais delicado das negociações: o processo de due diligence, que é uma análise minuciosa feita antes da conclusão de uma transação para identificar riscos, passivos e oportunidades no negócio-alvo. Embora essencial para mapear cenários e viabilizar acordos, a due diligence no país encontra uma série de obstáculos estruturais e regulatórios que atrasam ou até inviabilizam as negociações. Questões tributárias e trabalhistas complexas, além da falta de preparo das empresas e de conhecimento técnico dos auditores, transformam o que deveria ser uma investigação objetiva em um verdadeiro teste de resistência.
Para destravar esse cenário, é fundamental entender a raiz das dificuldades e priorizar a preparação empresarial. Um dos principais entraves está no próprio sistema brasileiro, especialmente nas áreas tributária e trabalhista. A elevada carga fiscal, a pluralidade de normas e a instabilidade jurídica criam um ambiente hostil para compradores que buscam segurança. Além disso, passivos ocultos ou mal apurados podem comprometer o valor de mercado da empresa-alvo, tornando a aquisição arriscada. No campo trabalhista, a extensão e complexidade da legislação tornam a conformidade um desafio constante, e qualquer desvio pode resultar em litígios caros no futuro. Não à toa, mais da metade (55%) das transações de M&A são abandonadas no Brasil durante a fase de due diligence, conforme levantamento do Ipesi (2024), sendo a contabilidade inadequada o principal motivo (52% dos casos).
Outro ponto crítico é a morosidade do processo, que pode se arrastar por meses e corroer o interesse de compradores e vendedores. A lentidão não decorre apenas da burocracia, mas também da desorganização interna de muitas empresas e da falta de assessorias qualificadas para conduzir o processo. A falta de familiaridade dos auditores com o setor específico da empresa analisada também gera ruídos: profissionais sem conhecimento do mercado tendem a superestimar riscos ou ignorar oportunidades relevantes. Essa imprecisão não apenas compromete a análise, como pode resultar em decisões equivocadas ou negociações mal conduzidas.
Diante desse cenário, a preparação da empresa para o processo de due diligence se torna uma exigência estratégica, e não apenas uma recomendação. A organização prévia de documentos, a regularização de pendências e o alinhamento com a legislação vigente são passos fundamentais para evitar surpresas e acelerar a transação. Contar com uma assessoria especializada em M&A é outro fator decisivo: profissionais experientes podem realizar um diagnóstico interno, propor ajustes e conduzir a empresa com mais segurança pelo processo, valorizando o negócio e reduzindo os riscos percebidos pelos compradores.
Em suma, embora a due diligence seja um pilar das boas práticas em M&A, no Brasil ela se transforma em um gargalo que exige superação por meio de profissionalismo e planejamento. As dificuldades são reais, mas não intransponíveis. Empresas que se antecipam às exigências do processo, investem em governança e se cercam de especialistas têm mais chances de fechar negócios vantajosos, em menos tempo e com menos fricções. Mesmo em um ambiente desafiador, o mercado se manteve aquecido: em 2024, foram registradas 1.582 operações de M&A no Brasil, segundo relatório da KPMG, o que demonstra o apetite por crescimento via aquisições, desde que conduzidas com segurança. Em um ambiente regulatório tão peculiar quanto o brasileiro, estar preparado é mais do que uma vantagem competitiva, é condição para a sobrevivência no mercado de transações complexas.
*David Denton é formado em Administração de Empresas e possui MBA da Universidade de Bath, localizada no Reino Unido. Com mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, já trabalhou para empresas como o Banco Real de Investimento, Deloitte & Touche, Royal Bank of Scotland e Grupo Habitasul. Também foi Membro Executivo do Comitê Internacional da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil e membro do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Relações (IBREI) e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). É autor do livro "Navigating Cross-Border Mergers and Acquisitions: a Global Perspective" e sócio da boutique de M&A OKTO FINANCE.
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